
Tenho saudade das churrascarias em nossos estádios, um diferencial de fidalguia e confraternização que reinou durante quatro décadas, dos anos 60 aos 90.
No lado colorado, a Saci. No lado gremista, a Mosqueteiro.
Ambas homenageavam os mascotes da dupla Gre-Nal.
Vivia-se um duelo de espetos.
Clássicos do futebol cheiravam a assado. Os jogadores, naquela época, certamente atuavam com mais apetite e fome de gol — pois as chaminés espirravam fumaça, criando súbitas neblinas em campo.
Os torcedores chegavam cedo com a família para o almoço, e depois subiam para as arquibancadas. Já estavam fardados para a ocasião, jamais se atrasavam.

A Saci foi um dos primeiros restaurantes do Brasil a oferecer espaço kids — isso nos anos 60, com brinquedos e monitoria. Vingou como uma tradição familiar, um jeito de garantir que os pais comessem tranquilamente e acompanhassem a rodada em seguida.
Encontrávamo-nos com os ídolos humanizados em suas folgas, longe do uniforme esportivo e da postura de atleta. Apareciam palitando os dentes, gente como a gente, com o cinto aberto disfarçado pela camisa para fora: Falcão, Figueroa, Valdomiro, Caçapava, Dadá Maravilha.
A livre interação a partir do lazer também servia como pretexto para fisgar novos sócios, com tudo acontecendo nas redondezas. A gurizada tinha a possibilidade de frequentar o centro de treinamento, catando autógrafos e testemunhando as jogadas ensaiadas antes dos confrontos.
Capaz de atender duas mil pessoas simultaneamente, a Saci agrupava não só colorados, mas também políticos, artistas, cronistas, adversários. Era uma espécie de senadinho, onde se colhiam notícias e fofocas dos bastidores.
Em seu salão, exibiam-se troféus recém-conquistados, assinavam-se contratos, renovavam-se passes — movimentos sempre regados à alegria da picanha sangrando.

Inaugurada como uma iniciativa do clube para arrecadar fundos destinados à conclusão do Beira-Rio, a Saci guarda histórias folclóricas. Para comemorar um título no torneio de base no início dos anos 1970 (o campeonato de juniores em São Paulo), a delegação colorada trouxe no avião um boi inteiro, acondicionado em um isopor gigante, para ser preparado no restaurante.
A Mosqueteiro não ficava atrás em importância e influência. Junto ao estádio Olímpico, contava com pista de dança, música ao vivo e agitação fervilhante dia e noite.
O deus dos argentinos, Diego Armando Maradona, foi um de seus clientes mais ilustres. Em 1980, após um amistoso entre Grêmio e Argentinos Juniors, engordou alguns quilinhos por ali, abusando da localização privilegiada — vizinha ao vestiário do time visitante.
O mítico goleiro Danrlei realizou seu casamento no estabelecimento, aproveitando a infraestrutura que podia ser reservada para festas especiais e os serviços com buffet de frutos do mar.
Rumores sugerem que Ronaldinho fechou a conta de sua passagem tricolor naquele ambiente, numa tensa reunião entre a família Assis Moreira, empresários franceses e dirigentes do Grêmio, na qual se decretou sua despedida rumo ao Paris Saint-Germain, em 2001.

Suas paredes ouviam segredos e confidências. Suas paredes falavam de triunfos e façanhas.
Os corredores do local funcionavam como primeira calçada da fama para heróis gremistas. Antes de virar estátua, Renato Portaluppi cantou e dançou como nunca na vida, em cima das mesas, celebrando a vitória na Libertadores de 1983 contra o Peñarol.
Não deveríamos ter perdido esse charme, essa dobradinha imbatível entre coraçãozinho e coração, toalha de mesa e bandeira.
Era a nossa pátria de chuteiras e costelão, nosso pago de rivalidade, flauta e brasa.