
Ao mesmo tempo em que o mercado de trabalho formal registra alta nas contratações em Caxias do Sul, com 2.329 novas vagas com carteira assinada em fevereiro, conforme os dados do último Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged), pessoas com deficiência encontram dificuldades para se inserir e permanecer no mercado de trabalho formal.
De acordo com o gerente regional do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Vanius Corte, são 194 empresas caxienses que precisam seguir a Lei de Cotas, gerando 3.480 vagas exclusivas para pessoas com deficiência (PCDs). No entanto, apenas 56 delas, ou seja, 28,8%, cumprem a lei federal. São 819 vagas para este público em aberto no município.
A lei estipula que empresas com mais de cem empregados precisam cumprir a cota.
- Se foram de cem a 200 funcionários, 2% devem ser PCDs.
- De 201 a 500, 3%.
- De 501 a mil, 4%.
- E as que tiverem mais de mil funcionários devem contratar 5%.
— O que a gente vê é que as pessoas com deficiência são contratadas onde (os empregadores) são obrigados, infelizmente. A maior parte das empresas que contratam pessoas com deficiência é obrigada. Senão, acabam não contratando. Estabelecer essa cota foi muito importante para inserção dos PCDs no mercado de trabalho — aponta Corte.
Ainda conforme o gerente do MPT, existem empresas que contratam mais PCDs do que a cota exige. Algumas delas estabelecem programas internos de capacitação e acessibilidade, enquanto outras deixam margem para que possam demitir funcionários sem descumprir a lei federal.
— Para tu demitir uma pessoa com deficiência, tu tens que, antes, já ter contratado outra. Se não, tem uma penalização. Muitas empresas deixam uma "gordura" para poder fazer demissões e não ficar abaixo da cota. Não é o normal. O normal é cumprir a cota ou abaixo dela — explica.
Entre as empresas que cumprem a cota estão tanto as com mais de mil funcionários quanto as menores, com até cem empregados. A fiscalização é feita por meio do eSocial, sistema nacional que unifica a prestação de informações trabalhistas.
— Nós poderíamos sair fazendo autos de infração, mas não é esse o objetivo. Então, a gente notifica a empresa para comunicar que não estão cumprindo e oportunizar esclarecimentos. Se não cumprir a cota no prazo estipulado, aí sim se faz a autuação — esclarece Corte.
"Nenhuma empresa está preparada"

Para que não tenham de adaptar ambientes, processos e quadro de funcionários à acessibilidade necessária, muitas vezes as empresas querem "escolher" a deficiência durante o processo seletivo, segundo Corte. Além de contratar PCDs, as empresas precisam reter os trabalhadores nas vagas. No entanto, esse é um dos desafios que se apresentam aos empregadores, de acordo com o gerente do MTE.
— As empresas adoram contratar deficientes auditivos, porque essa pessoa não tem problemas de locomoção, não tem problema de adaptação para transporte e para muitas coisas que a deficiência física pode acarretar. É muito errado achar que tu podes escolher uma deficiência menos grave, que isso vai ser mais fácil — observa Corte.
Eduardo Andrigo, 28 anos, trabalha no setor de protocolo da Universidade de Caxias do Sul (UCS). Ele é diagnosticado desde os 12 anos com baixa visão, condição gerada a partir da retinose pigmentar, uma doença de nascença que afeta o campo visual. Andrigo convive com a "visão de túnel", ou seja, consegue enxergar para a frente, mas num espaço restrito. Para telas, por exemplo, precisa que o contraste seja alto e as letras grandes.
— A minha visão ainda era relativamente boa na adolescência. Eu trabalhei como menor aprendiz em uma empresa de peças de caminhão. Ali, eu tinha algumas restrições, por exemplo, atravessar a BR-116, porque tinha uma outra parte da empresa que era do outro lado. Tinha adaptações, mas não tinha muito o que ser feito — relembra.
Trabalhando na UCS há nove anos, Andrigo buscou a vaga, anunciada na época como exclusiva para PCDs, porque precisava de renda.
— Quando comecei, eu trabalhava no período da noite, foi um começo meio turbulento. Por exemplo, não tinha piso tátil. Agora tem, mas eu já decorei todo o campus. Eu tenho um resquício de visão ainda, então eu faço as minhas adaptações no dia a dia — diz.
Até hoje ele conta com a colaboração dos colegas que o ajudam quando precisa ler informações em um papel, por exemplo. O trabalho no atendimento ao público ocasiona dificuldades em alguns momentos, principalmente com as pessoas que não conseguem entender a deficiência.
— Acontece de as pessoas não saberem reagir. Elas entregam o documento e eu falo: "Olha, eu não consigo enxergar teu documento. Eu preciso que tu me dite o teu CPF para eu poder te achar no sistema". Claro, as pessoas ficam emburradas, não entendem. Eu já deixo minha bengala bem em cima da mesa exatamente para sinalizar. O tempo todo eu tenho que me justificar com as pessoas. Até porque elas me veem mexendo no celular e ficam "Como assim um deficiente visual mexendo no celular?". Fora de casa, eu evito mexer tanto no celular— desabafa.
Aprender a lidar com as pessoas

Auxiliar administrativo na rede Fort Atacadista há um ano e meio, Dieni Alves trabalha em contato direto com o público. Ela é responsável por atender clientes, auxiliar no SAC e no cartão exclusivo do supermercado.
Dieni tem o diagnóstico de poliomielite, popularmente conhecida como paralisia infantil. É uma doença causada por um vírus que pode levar a paralisias musculares que, por consequência, podem acarretar em limitações físicas.
— Eles me mandaram uma mensagem pedindo se eu gostaria de trabalhar aqui no mercado. Eu estava desempregada na época e aqui me ajudam muito — afirma.
Por trabalhar diretamente com o público, Dieni já passou por situações desconfortáveis e de preconceito:
— Isso a gente sempre teve. Mas eu aprendi a lidar. Não me abala mais tanto porque eu aprendi — desabafa Dieni.
A rede de atacarejos tem como política interna a contratação de PCDs e pessoas com mais de 50 anos, em feirões de emprego destinados exclusivamente a esses públicos. A responsável pelo setor de Gente & Gestão da unidade de Caxias do Sul, Liriane Galvan, trabalha com recursos humanos há 12 anos e conta que a contratação de funcionários para cumprir a Lei de Cotas sempre foi um desafio.

— Eu trabalhei em outra rede de supermercados e eles diziam que não precisava contratar PCDs e 50+. Aqui, a gente faz o feirão, vê qual é a mobilidade deles e, dependendo como é, os coloca como empacotadores. Aqui a gente não tem empacotador por ser um atacado, mas criamos essa vaga específica para encaixar os PCDs — conta Liriane.
Desafios comuns no cenário nacional
Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgados pelo IBGE em 2023, revelaram as principais dificuldades entre PCDs no mercado de trabalho brasileiro:
- A mais declarada foi para andar ou subir degraus (3,4%)
- Na sequência está enxergar, mesmo usando óculos ou lentes de contato (3,1%)
- Para aprender, lembrar-se das coisas ou se concentrar (2,6%)
- Levantar uma garrafa com dois litros de água da cintura até a altura dos olhos (2,3%)
- Para pegar objetos pequenos ou abrir e fechar recipientes (1,4%)
- Para ouvir, mesmo usando aparelhos auditivos (1,2%)
- Para realizar cuidados pessoais (1,2%)
- De se comunicar, para compreender e ser compreendido (1,1%)
- Além disso, 5,5% das pessoas tinham deficiência em apenas uma das suas funções e 3,4% em duas ou mais funções
Perfil nacional
A pesquisa mostrou também que o percentual de pessoas com deficiência cresce com a idade – 47,2% das pessoas com deficiência tinham 60 anos ou mais. Nas regiões Sul e Sudeste, mais da metade das pessoas com deficiência era idosa.
A população com deficiência no Brasil foi estimada em 18,6 milhões de pessoas de dois anos ou mais, o que corresponde a 8,9% da população. Os dados são do módulo Pessoas com deficiência, da Pnad Contínua 2022.
Ainda de acordo com a pesquisa, 5,1 milhões de pessoas com deficiência estavam na força de trabalho e 12 milhões estavam fora da força de trabalho no Brasil.
A pesquisa ainda revelou que o rendimento médio real recebido por mês relativo ao trabalho principal das pessoas com deficiência foi de R$ 1.860, enquanto que o rendimento das pessoas sem deficiência era de R$ 2.690, 1,4% acima da média nacional.
Os homens com deficiência recebiam cerca de 27% a menos (R$ 2.157) que os homens sem deficiência (R$ 2.941). A diferença foi maior entre as mulheres com deficiência, que receberam aproximadamente 34% a menos (R$ 1.553) do que as sem deficiência (R$ 2.347).
A diferença entre os rendimentos de homens e mulheres aumenta no grupo das pessoas com deficiência. O sexo masculino recebe R$ 604 a mais. Para as pessoas sem deficiência, a diferença é de R$ 594 a mais para os homens. Já as mulheres sem deficiência recebiam, em média, R$ 190 a mais do que os homens com deficiência.