
Se você não assistiu à série britânica Adolescência, na Netflix, assista.
Cabe um alerta ou spoiler: vem ocorrendo uma indevida e infeliz demonização da adolescência digital.
A repercussão não condiz com o conteúdo da ficção. Houve escândalos semelhantes com o filme Kids (1995), escrito por Harmony Korine, ou com o livro Precisamos Falar Sobre o Kevin (2003), de Lionel Shriver.
Os adolescentes trancados no quarto não estão tramando conspirações ou ataques sanguinários.
Não estão destruindo reputações por mensagens cifradas. Aliás, qualquer geração teve seu dialeto.
Grande parte dos adolescentes, inclusive os meninos, não é misógina. Pelo contrário, a marca da nova geração é a sexualidade fluida, a diversidade e a amizade entre os gêneros. O machismo estrutural é muito mais explícito na faixa etária dos pais e dos avós, vítimas dos condicionamentos e da repressão à sexualidade. Talvez a distorção decorra do fato de que o pequeno grupo intolerante da geração Alpha seja mais visto (e ruidoso) porque sente menos vergonha de seus preconceitos e experimenta maior exposição nas redes sociais.
Noto que o protagonista de 13 anos, Jamie Miller (interpretado com maestria por Owen Cooper), tem sido generalizado como protótipo coletivo da adolescência.
Na história, acusam-no de um crime bárbaro.
Ele é tão somente uma exceção, encontra-se longe de ser a regra.
Na verdade, é um psicopata mirim, que causa calafrios justamente por sua aparência ingênua e inofensiva, agravada pela sua pequenez e bochechas enrubescidas de querubim. Ninguém imagina que ele é capaz de uma atrocidade.
Porém, ele sofre de um desequilíbrio mental evidente, uma dupla personalidade, com explosões de fúria incontroláveis. Sua passionalidade eclodiria em algum momento, na escola ou na universidade.
Não o normalize. É tão inteligente e manipulador quanto Hannibal Lecter. A maldade não tem idade.
Ele não tipifica a adolescência atual, diferentemente do que costuma ser dito. Jamie não acontece em todos os lares. Acontece raramente.
Tampouco sua família é culpada, por omissão ou indiferença. A paternidade e maternidade apresentam seus erros e acertos.
Apesar do seu invólucro de Peter Pan, existe uma complexidade psicológica afeita a desvios de comportamento. Devemos isolá-lo da média.
Nem todo adolescente virará um assassino depois de ser humilhado ou ofendido.
Instaurou-se um pânico, a partir da exibição da teledramaturgia, de que os pais não sabem o que seus filhos andam fazendo. Tal alarmismo apenas aumentará, sem necessidade, a desconfiança e a patrulha descomunal dos hábitos. Haverá pai ou mãe que não deixará mais o filho sozinho, que irá monitorar o seu celular, invadir a sua privacidade.
Não espere o pior dos adolescentes. A adolescência é uma fase de transição, uma invenção contemporânea, em que a autoridade é testada e os votos aos valores são renovados.
Prevalecem os ressaibos de ser atraente ou não, de ser desejável ou não, de ser popular ou não. É o início do contato consciente com o corpo. São naturais os questionamentos sobre o prazer e a individualidade.
Talvez tenhamos que ser mais curiosos, e não indiscretos, com o que os jovens pensam e vivenciam.
Não percebem o entorno da mesma forma analógica que nós, seus antecessores. Um livro importantíssimo, Adolescência em Cartaz, dos conterrâneos Mário e Diana Corso, explica esse inédito caleidoscópio:
“Os adolescentes conectados comunicam-se em tempo real: o vivido é narrado e partilhado imediatamente, independente de onde estejam”.
Os pais podem ficar tranquilos. Atentos, mas tranquilos. Você não está fabricando um serial killer.