
Meu pai estava assistindo à primeira partida da final do Gauchão — o Gre-Nal na Arena —, a imagem tremeu, a transmissão saiu do ar por alguns minutos.
Ele não parava de bater no controle remoto. Foi um ato falho insano do seu passado.
Já testemunhei essa cena algumas vezes. Ele mantém essa mania esquisita. No lugar de trocar as pilhas, inventa de chacoalhar o comando e golpeá-lo contra o braço do sofá. Acredita que a instabilidade será resolvida com um tapa.
Meu pai faz parte de uma época em que os eletrodomésticos ressuscitavam na base do tapinha.
Radinho chiava, tapinha.
Televisão perdia foco, tapinha.
Liquidificador enguiçava, tapinha.
Máquina de lavar não se mexia, tapinha.
Aspirador de pó desacelerava, tapinha.
Os produtos chegavam espancados à assistência técnica.
Inclusive, na hora de me abraçar, meu pai me dá tapinhas nas costas. Vá que eu não esteja funcionando.
Seus compadres vêm ficando cada vez mais nervosos diante da tecnologia, porque os objetos não duram. Compra-se celular de dois em dois anos, por exemplo.
Sentem-se ameaçados pela natureza descartável e volátil do consumo. Construíram uma existência alicerçada na estabilidade — do único emprego para se aposentar, da casa própria, do casamento para sempre — e de repente nada mais é seguro e definitivo, nem em termos de relacionamento, muito menos de carreira, sequer de patrimônio e bens dentro do lar.
Antes, máquina de lavar era para toda a vida, fogão era para toda a vida, geladeira era para toda a vida. Enferrujando, descascando, pifando, eles continuavam sendo repintados e arrumados.
Hoje você não manda nenhum utensílio para o conserto. Procura outro. Sua substituição é previsível e imediata. A aquisição é mais barata do que qualquer orçamento. As garantias são pouco executadas.
Eu, diferentemente, sou da geração que, se acontece algum problema, liga e desliga o aparelho. Isso pode ter também suas consequências no meu comportamento. Parto do princípio de que, tirando da tomada ou reiniciando o sistema, restabelecerei a normalidade. O que explica o quanto eu e meus xarás dos anos 80 sofremos dos vaivéns amorosos. Trata-se de um condicionamento mental. Não deu certo, desliga o laço, e liga de novo. A tendência é terminar e voltar para os mesmos romances, jurando que a reconciliação será capaz de corrigir os erros e antecedentes.
A geração de meus filhos é mais desencanada. Num bug, apenas se distanciam. Vão realizar novas atividades. Não esquentam a cabeça com uma pendência. Sabem que tudo está salvo na nuvem. Adaptam-se às soluções provisórias da atualidade. Acostumaram-se a mudar de trabalho, de casa, de envolvimento. Descobriram a paciência do acaso. Aprenderam a se despedir do mundo material. Não se martirizam com o apego. E, no amor, valorizam essencialmente a amizade. A liberdade é maior do que estar junto.