Não tem quem não se assuste quando descobre que alguém sem antecedentes criminais, pacato, ordeiro, de sorriso fácil e de aparência inofensiva — um vizinho, um colega de trabalho, um conhecido, um cliente — é capaz de praticar crimes monstruosos.
É o caso da contadora Deise Moura dos Anjos, 42 anos, presa no domingo (5), sob acusação de quatro homicídios duplamente qualificados por motivo fútil e com emprego de veneno.
Em 23 de dezembro, seis membros de sua família adoeceram depois de consumirem um bolo durante o café da tarde em Torres, no litoral do Rio Grande do Sul. Três das vítimas morreram de paradas cardiorrespiratórias.
Em setembro de 2024, o sogro de Deise morreu após ter comido bananas e um café com leite em pó, produtos entregues pela nora em uma visita. A exumação do corpo, feita na última semana, depois das mortes relacionadas ao bolo, confirmou o pior: o homem também havia sido envenenado.
Ou seja, Deise teria matado o sogro e, três meses depois, procurado intoxicar a sua sogra, Zeli. Na emboscada, precipitou o fim de três integrantes da própria família, com os quais mantinha inimizade e reservas.
A Polícia Civil, munida de provas robustas, cogita que pode estar diante de uma serial killer.
E seria uma serial killer familiar, dizimando parentes a partir do uso de arsênio. Segundo reportagem do colega Humberto Trezzi, a suspeita já teria prometido matar o sogro e dito que a sogra veria toda a família em um caixão.
O que se assemelhava a insultos da boca para fora se mostrou um ardil macabro e premeditado.
Casada com o filho de Zeli há cerca de duas décadas, residente em Nova Santa Rita, gestora financeira formada pela Universidade La Salle, Deise se encontrava desempregada, com disponibilidade para arquitetar seu plano diabólico, caracterizado por pedidos de desculpa fingidos para obter aproximação.
É difícil compreender os labirintos da mente de Deise, antever seu cemitério cerebral sendo construído, lápide por lápide.
Mesmo com as brigas declaradas, WhatsApp bloqueado pela sogra, inveja e ciúme da parte mais abastada do lar e discussões com o marido, a sua página no Facebook exibe apenas uma normalidade perturbadora. Não há mensagens óbvias de que ela estaria disposta a matar a todos ao seu redor. O que sugere é que ela seguia a vida apesar dos problemas domésticos, como qualquer um de nós.
Como supor que uma pessoa que posta uma foto com a legenda “Minha família! Minha prioridade!” realizaria o contrário e liquidaria seus laços de sangue?
Existe um alto grau de dissimulação que nos choca. Um disfarce engenhoso, uma ambiguidade controlada, para enganar os mais próximos durante tanto tempo.
Não por menos, ela menciona o vilão Coringa: “quando for falar mal de mim, aproveita e fala todas as coisas boas que eu fiz quando você precisou”.
A princípio, pensava-se que era fã de quadrinhos.
Não por menos, uma de suas postagens fixadas é um texto de Santo Agostinho, dramatizado na novela global Bom Sucesso: “a morte não é nada, eu somente atravessei para o outro lado do caminho”.
A princípio, pensava-se que era religiosa.
Hoje, só hoje, entendemos o peso de cada uma de suas citações. Elas passariam despercebidas se Deise nunca tivesse sido incriminada.
O que talvez ela tenha se esquecido de interpretar nos versos do santo, um dos mais importantes teólogos e filósofos dos primeiros séculos do cristianismo, é que os mortos, perto do Criador, são ainda mais poderosos para fazer justiça.