
— Provavelmente eu coloquei o cinto, porque eu estava bem na frente do ônibus, senão não estaria aqui.
Esse é o relato de uma das sobreviventes do trágico acidente em Imigrante (RS), que vitimou sete alunos do Colégio Politécnico da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na sexta-feira (4).
O acessório de segurança foi o seu anjo da guarda, o seu escudo para não ser arremessada para longe.
Devemos conservar esse hábito incondicionalmente ao andar de ônibus intermunicipal: colocar o cinto pelo trajeto inteiro.
Trata-se de um gesto simples, mas de valia enorme, capaz de salvar vidas.
É necessário transferir o rigor do avião para os coletivos de estrada, com a premissa de que os passageiros se mantenham ajustados à poltrona.
Antes de partir da rodoviária, cabe ao motorista ou ao fiscal conferir se todos os viajantes estão com a fivela fechada no assento.
Assim como existem as turbulências no céu, existem as trepidações das rodovias.
É um passo a mais nas campanhas de prevenção.
Hoje já é natural o motorista colocar cinto. Caso contrário, cometeria uma clara infração de trânsito, em vigor desde 1997 (Art. 65 do CTB). A regra se universalizou. Não se discute mais.
Nem sempre foi assim. Nos anos 70 e 80, prevalecia a concepção de que o item obrigatório tiraria a liberdade do condutor, que se sentia preso, com os movimentos limitados. Houve uma longa e exaustiva conscientização para derrubar preconceitos, fruto de anos de pedagogia e vigilância contínua.
Na minha infância, o carro era uma nave espacial, com a família flutuante na gravidade zero: os pais soltos na frente e os filhos de pé, olhando a paisagem e o tráfego pelo vidro traseiro. Isso quando as crianças não ficavam deitadas no porta-malas. Corríamos sério perigo.
Sem contar as excursões escolares, em que permanecíamos cantando, caminhando pelos corredores, omissos com a ameaça.
No momento atual, precisamos convencer as pessoas a adotar a medida de proteção nos bancos de trás. Ainda que o seu descumprimento resulte igualmente em penalidade, a adesão é pela metade, em especial em corridas curtas pelos aplicativos. Dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) realizada pelo IBGE/Ministério da Saúde indicam que, em 2019, somente 54,6% dos adultos declararam usar sempre o cinto no banco de trás do carro.
Há uma ideia errada de que atrás é mais seguro, e de que a vulnerabilidade se encontra na frente, pela proximidade com o para-brisa. Na verdade, o encosto do banco da frente não é barreira nenhuma para quem senta atrás. Não vai impedir o sacolejo e a impulsão violenta. Você será apenas uma peça avulsa e indefesa.
Terá probabilidades até quatro vezes maiores de morrer em uma colisão do que se estivesse com cinto. Segundo a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet), o dispositivo reduz em até 75% o risco de morte desses ocupantes.
O cinto na frente não é suficiente se ninguém utiliza nos bancos traseiros — quem está atrás pode inclusive matar quem está na frente, como um projétil humano. Cerca de 80% dos óbitos do motorista e do carona que empregam o cinto seriam evitados se os passageiros traseiros usassem o cinto regularmente.
Temos que entender o carro, ou o ônibus, ou o avião como uma única engrenagem: uma posição interfere a outra, num efeito dominó. Todos os lugares exigem o mesmo grau sagrado de anteparo, para a saúde do conjunto.