
A Travessa Viamão, no bairro Medianeira, zona sul de Porto Alegre, amanheceu mais triste nesta quarta-feira. A cortina de ferro do Salão Hollywood, onde o barbeiro Antônio Cascaes Martins, conhecido como Jacaré, 78 anos, fez história, estava trancada. Um recado singelo em papelão explicava: "Velório do Jacaré na Capela 2 do Cemitério João XXIII".
Vitimado por um latrocínio (roubo com morte) – o 29º em Porto Alegre no ano – no final da manhã de terça-feira dentro do salão, ele foi sepultado na manhã desta quarta. Na memória dos amigos que frequentavam o salão e conviviam com ele, no entanto, as histórias do Jacaré dificilmente serão apagadas.
– Ele cortou o cabelo do Teixeirinha, sabia?
Leia mais:
Assalto a barbearia termina com um morto no bairro Medianeira
Após latrocínio, moradores protestam em frente à casa do governador Sartori
Quem lembra é o também comerciante Ari Mallmann, 63 anos, que há 42 tem uma ferragem a poucos metros da barbearia. Quando montou o seu comércio, o Jacaré já tinha um salão em outro ponto ali na mesma região. Ele conta que o famoso cantor tradicionalista era frequentador do salão do Jacaré. Gostava tanto do trabalho dele – considerado um "tesoura de ouro" na época – que, em certa feita, o levou junto para uma produção.
– Era uma filmagem lá em Ipanema. Estavam lá maquiadores, modelistas e toda aquela estrutura. O Jacaré foi para fazer o penteado do Teixeirinha, mas parece que se empolgou na hora da filmagem e não deu muito certo – lembra, entre risos.
Para Alice Santos, 40 anos, que mantém uma lancheria ao lado da barbearia e conhecia o barbeiro há mais de 20 anos, a lembrança das peripécias do seu Jacaré é ainda mais romântica.

– Ele dizia que era um grande dançarino. Contava que foi até Buenos Aires dançar tango. Nem sei se era verdade, mas como era bom ouvir ele contando essas histórias – diz.
Nos últimos tempos, porém, a alegria do barbeiro em contar boas histórias da sua vida também perdia espaço para a preocupação com a violência. Na barbearia, mantinha a porta de vidro e as grades de ferro sempre fechadas. Só abria para clientes. Costumava também alertar a vizinhança.
Leia mais
Estado pode terminar 2016 com número recorde de latrocínios
Porto Alegre em quinto lugar entre as capitais em casos de latrocínios
– Quando eu estava sozinha, ele sempre me alertava quando via alguém diferente entrando na lancheria ou algum carro estranho rondando por aqui. Dizia para eu me cuidar – conta Alice.
No final da manhã de terça, dois homens enganaram o seu Jacaré. Disseram que iriam fazer a barba e ele abriu a porta. Era um assalto. O marido de Alice chegava na lancheria naquele momento e ouviu os disparos.
– Nem sabíamos de onde vinham. Só sei que corremos para os fundos, com muito medo – relata a comerciante.
Dentro do Salão Hollywood, o seu Jacaré tentou conter os criminosos com uma corrente que ele mantinha para sua proteção. Foi em vão. Acabou atingido pelos disparos de um revólver calibre 22.
– Parece mentira, e eu não me conformo. Mas quando ele me disse que ficaria com uma corrente e cadeado na barbearia para se proteger, eu ainda falei: "Tu ainda vai morrer com essa corrente na mão". Uma pena, foi um dos homens mais corretos que eu conheci – comenta, entristecido, o amigo Ari Mallmann.
O caso é apurado pela 2ª DP de Porto Alegre. De acordo com o delegado César Carrion, já é sabido que os criminosos fugiram em um Punto vermelho, com placas clonadas. Não há informações de que o veículo tenha sido abandonado em algum lugar. As primeiras testemunhas já foram ouvidas pela polícia, mas ainda não há suspeitos.