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O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do RS, e a 8ª Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre realizam nesta terça-feira (25) uma ação contra fraudes envolvendo atestados e laudos médicos. Os documentos são utilizados em processos para induzir magistrados ao erro na concessão do benefício da prisão domiciliar humanitária a apenados de alta periculosidade e líderes de facções criminosas.
Os crimes apurados são de falsidade ideológica, uso de documentos falsos, organização criminosa e lavagem de dinheiro. Denominada Operação Hipocondríacos, a investigação começou pela constatação de um padrão de atuação criminosa para obtenção de prisões domiciliares humanitárias e outros benefícios extraordinários a líderes de facções criminosas. Todos eles cumpriam longas penas privativas de liberdade ou estavam presos preventivamente.
Conforme o promotor Flávio Duarte, do Gaeco, são alvo da ação um criminoso que atuava como intermediário para a facção, profissionais de saúde (entre eles, um médico traumatologista) e advogados.
O esquema fraudulento consiste em informar a realização de cirurgias ou tratamentos médicos desnecessários e, ainda, com longos períodos de recuperação, de até um ano, entre outros cuidados pós-operatórios que não precisavam ser realizados.
Em todos os casos investigados, a forma de atuação do grupo criminoso foi a mesma: alegação de que estariam ocorrendo problemas leves ou inexistentes de coluna, que eram atestados em laudos como graves e com a necessidade de um pós-operatório complexo.
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O teor dos documentos elaborados por médicos, de agendamentos fictícios de procedimentos a laudos de cirurgias, era determinado por uma advogada e por um intermediário da facção. Os beneficiários, via de regra, eram líderes da organização criminosa.
"Em alguns casos, a advogada ressaltava, por exemplo, que o laudo estava 'fraco' e solicitava que o médico 'dramatizasse mais' o teor dos documentos para convencer juízes a conceder os benefícios para os líderes da facção", ressalta documento do MP.
O esquema foi objeto de uma série de reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) em 2024. Os apenados alegavam direito a prisão domiciliar humanitária. É uma pena alternativa que permite que condenados cumpram suas sentenças em casa, em vez de na prisão. Isso acontece em situações especiais, quando há motivos humanitários fortes para justificar essa medida. A decisão de conceder o benefício é tomada por um juiz, que avalia cada caso individualmente.
Financiamento e fugas
Os presos fugiam ou cometiam novos delitos logo após serem beneficiados com a prisão domiciliar humanitária nas condições fraudulentas. A investigação também apurou a forma como todo o esquema criminoso era financiado: por meio de empresas administradas pela própria facção, algumas delas dos ramos da construção civil e de consultoria de recursos humanos. Elas estavam em nome de terceiros, utilizando os valores obtidos com as práticas delituosas que cometiam para arcar com as despesas e os honorários médicos dos respectivos líderes da organização criminosa.
A promotora de Justiça Alessandra Moura Bastian da Cunha, coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal (Caocrim) e do Núcleo de Assessoramento em Execução Penal (Naep) do MP, diz que a situação foi detectada em 2024 e gerou três frentes de atuação. A primeira, investigada por meio do Gaeco, foi realizada para responsabilizar os integrantes do esquema criminoso.
No segundo eixo, foi feita a articulação de um protocolo de atendimento de saúde dentro do sistema prisional, junto com outros órgãos, para uma maior segurança no momento da avaliação dessas concessões. Por fim, o MP participou do Programa de Dissuasão Focada, implementado pelo Estado, para, entre outras medidas, ser realizado o incremento do atendimento médico dentro do sistema prisional, evitando que seja necessário o atendimento em liberdade.
Também participaram da Operação Hipocondríacos os promotores de Justiça André Dal Molin (coordenador estadual do Gaeco) e Maristela Schneider (coordenadora do Gaeco na Região Metropolitana). A ação teve o apoio da Brigada Militar. A investigação do MP continua.