Todas as noites, Luna Carneiro Behrends e o marido, Jerônimo de Oliveira Loureiro, se revezam para colocar em prática o ritual que adotam com os filhos. Por volta das 21h, levam Caetano e Joaquim Behrends Loureiro, de cinco e oito anos, para o quarto e desligam todas as luzes. Depois, contam uma história, escutam um podcast ou uma música tranquila, fazem uma massagem nos pés, relembram as coisas boas do dia e desejam boa noite. Na visão do casal, a rotina garante que as crianças tenham um sono de mais qualidade.
Caetano e Joaquim dormiram com os pais apenas nos primeiros meses de vida. Depois, foram para o quarto que hoje dividem. Isso porque o casal sempre considerou importante que os filhos tivessem um espaço deles e criassem o hábito de dormir nas próprias camas.
— A questão do sono sempre foi algo importante para mim, que eu aprendi desde criança. Sempre tivemos esses rituais. Tanto eu quanto meu marido fazemos esse movimento com eles antes de dormir — relata Luna.
A mãe considera que o processo de sono tranquilo também envolve estar em contato com a natureza, gastar energia brincando durante o dia e ter uma rotina com horários fixos. Por isso, diariamente, todos vão para a cama entre 21h e 21h30min:
— Todo mundo acorda cedo aqui em casa, então vamos dormir cedo, porque eu e meu marido entendemos que é importante não só o horário de dormir, mas a duração do sono também. Os guris acordam às 7h15min. E eles poderem ter um espaço para correr e estar no meio da natureza acho que traz uma qualidade de vida para também poder ter um sono tranquilo.
Como Caetano e Joaquim passam o dia inteiro na escola gastando energia, os pais tentam reduzir as atividades mais agitadas no final do dia. Em casa, tomam um banho para “acalmar o corpo” e jantam por volta das 19h. A dupla não tem celular, mas pode ver televisão por, no máximo, duas horas por dia — sempre com supervisão para garantir que o conteúdo seja adequado para a idade.
Para Jerônimo, o sono de qualidade influencia no desenvolvimento físico e na saúde dos meninos:
— Percebemos que quando adoecem, têm uma recuperação muito rápida. Também há questões cognitivas, de pensamento de resolução lógico, de matemática, de linguística. Eles são muito bem desenvolvidos e sem dúvida o sono contribui muito para esse processo de limpeza cerebral — acredita Jerônimo.
Desenvolvimento saudável
Os rituais adotados pela família são alguns dos indicados por especialistas para garantir que as crianças tenham um sono de qualidade, fator que é fundamental para um desenvolvimento saudável. A pnemopediatra Simone Fagondes, que atua no Laboratório do Sono do Núcleo de Neurofisiologia do Hospital Moinhos de Vento, reforça que é importante entender desde cedo que o sono faz parte do tripé da vida.
— Nós precisamos comer, dormir e praticar atividades físicas. No caso do bebê, vão ser coisas que facilitarão o seu neurodesenvolvimento, porque não nascemos sabendo dormir, assim como não nascemos sabendo comer. O bebê tem que aprender, é um processo — aponta a médica do sono, que também atua como preceptora do Programa de Residência Médica em Medicina do Sono do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
Crescimento e alimentação
Magda Lahorgue Nunes, professora titular de Neurologia da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e pesquisadora do Instituto do Cérebro (Inscer), concorda que o sono tem uma função fundamental para o nosso organismo, já que envolve um processo de restauração e de consolidação da memória. Além disso, está relacionado a questões cognitivas e à secreção de hormônios do crescimento, da fome e da saciedade.
— Dormir bem ou dormir de uma forma adequada é fundamental em todas as faixas etárias, o que difere nas crianças é a quantidade de sono necessária, que varia de acordo com a idade — destaca.
Conforme Magda, que também é diretora para a América Latina da International Pediatric Sleep Association (IPSA), os bebês começam a desenvolver o ritmo circadiano (que estabelece o momento de dormir e acordar em relação à luminosidade) no final do primeiro mês de vida. Isso ocorre aos poucos no decorrer de todo o primeiro ano e, a partir do sexto mês, inicia-se o processo de consolidação do sono noturno. Assim, à medida que a idade da criança aumenta, a necessidade de horas de sono vai reduzindo.
Impacto das telas
De acordo com Simone, ao longo do primeiro ano de vida, cerca de 30% das crianças enfrentam problemas de sono como adormecer em lugar errado, resistência para dormir e vários acordares. A pneumopediatra ressalta que a literatura vem chamando a atenção para o fato de que isso está aumentando e que tem relação com o “novo mundo” em que vivemos, com muita luz, muita tela, muito barulho e muito estímulo — algo que repercute no sono dos pequenos:
— Já sabemos que o uso de telas resulta em mais acordares durante a noite e em um tempo de sono menor. Tem um estudo que estima que, para cada hora de tela, há uma redução em média de 13 minutos do sono.
Dormir menos: risco de sobrepeso
A pesquisadora do Inscer acrescenta que um estudo realizado no Rio Grande do Sul já confirmou que crianças de quatro anos que dormem por tempo inadequado têm uma tendência maior a ter sobrepeso e obesidade. Outras pesquisas também mostram que um sono inadequado pode estar relacionado à redução da expectativa de estatura, já que o hormônio do crescimento é secretado durante a noite.
Há impacto, ainda, nas relações sociais e nas questões emocionais. Conforme a médica do sono, a ansiedade está muito mais presente nas crianças e entende-se que isso tenha relação com a resposta imediata fornecida pelas telas.
Sinais de alerta e estratégias
Diferentemente dos adolescentes e adultos, os sinais de que as crianças não estão dormindo bem ou por tempo suficiente não envolvem demonstrar muito sono no dia seguinte, mas sim alterações comportamentais. Magda afirma que é comum os pequenos apresentarem irritabilidade, além de agitação e mau humor.
Simone acrescenta que as crianças podem demonstrar resistência para acordar de manhã e dificuldade para se alimentar corretamente, como se estivessem desconfortáveis com algo. Comportamento antissocial, redução da capacidade intelectual e desempenho ruim na escola também podem ser sinais de que o sono não está bom.
A pesquisadora do Inscer aponta que, até os seis meses de vida, é recomendado que as crianças durmam no seu berço, mas no quarto dos pais para facilitar o aleitamento. Depois disso, é possível iniciar a mudança para o quarto próprio. Entre quatro e seis anos, o importante é que a criança tenha independência para dormir.
— O que quero dizer com independência não é dormir na hora que quer, pelo contrário. Para uma criança de quatro a seis anos, o horário ideal para dormir seria em torno de 20h30min ou 21h. Mas a casa tem que se preparar para isso, reduzindo as luzes, os ruídos, zerar as telas — orienta a professora.
Os pais devem ajudar a preparar a criança para dormir, dando janta e banho, e propondo brincadeiras mais tranquilas para então encaminhar o pequeno para seu quarto, que deve estar com pouca iluminação. Magda comenta que os responsáveis também podem ler alguma história, mas o ideal é que a criança durma na sua cama, sozinha, não no colo sendo embalada ou no quarto dos pais.
— Em relação à tela, o que atrapalha é a proximidade do uso com a hora do sono. O que se recomenda é que adolescentes ou crianças maiores fiquem pelo menos uma hora sem telas antes do horário de dormir. As menores, acima de dois anos, pelo menos duas horas antes. E, abaixo de dois anos, a recomendação da Organização Mundial da Saúde é zero tela — reforça a pesquisadora.