
Lucas Simonetto Faganello (*) e Leandro Ioschpe Zimerman (**)
Nosso coração é ritmo, é música. Aproximadamente 100 mil vezes por dia, nosso coração pulsa e bombeia o sangue para todas as partes do corpo, conforme a nossa necessidade. Quando estamos relaxados, é como se nosso coração tocasse soul ou bossa nova. Já quando precisamos de mais energia, nosso peito é puro rock'n'roll. Mas e se a batida sai do compasso?
A irregularidade dos batimentos cardíacos é chamada de arritmia. Existem diversos tipos, desde as mais benignas, sem qualquer risco, até aquelas que podem ter consequências desastrosas.
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia crônica mais comum em todo o mundo, afetando mais de 5 milhões de brasileiros, e uma a cada 10 pessoas acima de 70 anos. Com o envelhecimento populacional e a facilidade cada vez maior no diagnóstico, estima-se que o número de casos detectados dobre nas próximas décadas.
Na FA, o coração sai completamente do ritmo. Não há lógica nos batimentos, não há música. Estes pacientes têm cinco vezes mais chance de apresentarem insuficiência cardíaca, o dobro de chance de acidente vascular cerebral (AVC, o "derrame") e de morte.
São mais internados no hospital e têm uma diminuição importante da qualidade de vida, seja pelos sintomas, seja pelas consequências desastrosas do derrame. Como se não bastasse, parecem ter um risco aumentado de demência.
Como perceber a fibrilação atrial
A boa notícia é que conseguimos tratar a fibrilação atrial cada vez mais e melhor. A música não pode parar, e o diagnóstico e o tratamento precoces são chaves para evitar a progressão e as complicações da doença.
Como perceber a FA? Geralmente por conta de palpitações, cansaço, falta de ar, dor no peito. O pulso fica irregular. A avaliação cardiológica é necessária, e se o desconforto for grande, é indicado procurar atendimento com urgência. Um eletrocardiograma ou um traçado do ritmo feito por relógios inteligentes confirma o diagnóstico.
Mas como a FA pode ser silenciosa, o acompanhamento médico e a verificação do pulso em pessoas de alto risco, como idosos ou cardiopatas, é essencial.
Fatores de risco
Como tratar a FA? Em primeiro lugar, sempre a prevenção! Deve-se evitar os fatores de risco como hipertensão, diabetes, obesidade, sedentarismo, tabagismo, ansiedade e ingestão de álcool, especialmente em grande quantidade.
Atividade física regular de baixa e média intensidade é benéfica, diminuindo o risco de FA. Já atividades de alta intensidade como maratonas, triatlons e aquelas vistas em atletas profissionais aumentam o risco. O café, antigamente considerado um grande vilão, atualmente é visto como um problema menor.
Tratamento
Quando o diagnóstico de FA é realizado, é essencial definir se é necessário algum tratamento para evitar a formação de coágulos no coração, a fim evitar os derrames. Nestes casos, o mais comum é usar remédios anticoagulantes.
O que fazer para prevenir novos episódios de FA e manter o coração no compasso certo? Remédios antiarrítmicos são úteis e podem ser usados. Mas, com a evolução da pesquisa, novas técnicas e tecnologias, o tratamento por meio da ablação, um procedimento com cateteres, deu um grande salto nas últimas décadas.
Por seu elevado sucesso, e riscos cada vez menores, este procedimento tem sido feito cada vez mais precocemente em centros especializados e com profissionais treinados.
A fibrilação atrial deve ser levada a sério. É frequente, piora a qualidade de vida e traz riscos. Fazer atividade física regular, não fumar e controlar os demais fatores de risco continua sendo a pedra angular do cuidado cardiológico. Mas quando a batida sair do compasso, um especialista deve ser consultado. No ritmo certo, se vive mais e melhor.
A música não pode parar!
(*) Eletrofisiologista cardíaco pela McGill University, do Canadá, e pela Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas. Membro da Equipe de Arritmias Cardíacas do Hospital Moinhos de Vento (HMV) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)
(**) Professor titular da Faculdade de Medicina da UFRGS, chefe do Setor de Arritmias Cardíacas do HMV, do HCPA e do Hospital Tacchini, de Bento Gonçalves, e membro titular da Academia Sul-Riograndense de Medicina
Parceria com a Academia
Este artigo faz parte da parceria firmada entre Zero Hora e a Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina (ASRM) em março de 2022. Uma vez por mês, o caderno Vida publica conteúdos produzidos (ou feitos em colaboração) por médicos da entidade, que completou 30 anos em 2020, conta com cerca de 90 membros de diversas especialidades (oncologia, psiquiatria, oftalmologia, endocrinologia, otorrinolaringologia etc.) e atualmente é presidida pela endocrinologista Miriam da Costa Oliveira, professora e ex-reitora da UFCSPA.