
Você já sentiu que, mesmo saciado após ingerir uma refeição completa e nutritiva, tinha um "espacinho" no estômago para comer uma sobremesa? Um estudo publicado recentemente na revista Science comprova que há uma explicação científica para isso.
Pesquisadores da Alemanha, Dinamarca, Israel e Estados Unidos descobriram que os neurônios pro-opiomelanocortina (POMC) do hipotálamo, que promovem a saciedade em condições de alimentação, podem ser rapidamente inibidos após a ingestão de açúcar. Ou seja, a sinalização neuronal para o corpo parar de comer pode ser menos intensa e, ainda, pode despertar o desejo por uma sobremesa.
Isso acontece porque esses neurônios se conectam com o tálamo paraventricular, parte do cérebro envolvida na regulação de algumas funções vitais, como a fome. Essas células ativam um tipo de sinal que usa receptores opioides (parecidos com os que reagem a drogas como morfina). Esse sistema fica ainda mais forte quando as pessoas consomem açúcar, principalmente quando já estão cheias.
— O estudo mostra que o açúcar teria uma ação de liberação de beta-endorfinas (neurotransmissores no sistema nervoso central) e de ativação de receptores opioides mais intensa do que outros alimentos. A ativação de todos esses receptores opioides por parte do açúcar acaba, paradoxalmente, aumentando o apetite. Então, eu me alimento com alto índice calórico, mas, por liberação excessiva de beta-endorfinas, eu tenho inibição da saciedade, o que causa aumento do apetite e até uma fissura por doce — resume o coordenador do curso de Medicina da Universidade Feevale, Pedro Beria.
O especialista analisou o estudo, feito com camundongos. Segundo ele, o funcionamento do sistema hipotalâmico da fome já é bem conhecido na ciência. A novidade da pesquisa, publicada em fevereiro, é a diferenciação entre o açúcar e outros alimentos calóricos:
— Eles trazem esse modelo animal, efetuado em cérebro de camundongos, que mostra que a densidade de ativação dessas vias opioides é bem mais intensa com açúcar.
É por isso que o açúcar vicia?
O estudo comprova que o açúcar tem capacidade de diminuir a saciedade e a sensação de que seria o momento de parar de comer. Mas, de acordo com Beria, não é por isso que costumam dizer que o açúcar vicia. O coordenador garante que é um funcionamento associado:
— Aqui, o que falamos é, principalmente, da ativação de beta-endorfinas que desregula nossa capacidade de saciedade. O "vício" no açúcar está associado com a liberação de dopamina na via mesolímbica do cérebro, que é o sistema de recompensa através do qual sentimos prazer.
Ele pontua que são duas ativações diferentes em áreas próximas do cérebro. O indivíduo, portanto, sente prazer associado com a liberação de beta-endorfinas, mas também pela disponibilidade de dopamina no sistema mesolímbico.
Resposta neurológica ao açúcar pode trazer riscos
A pesquisa ressalta que essa condição pode levar à obesidade, uma vez que o consumo de açúcar quando a necessidade energética já foi suprida pode levar a um excesso calórico. Além disso, Beria acredita que essa resposta neurológica à sobremesa pode causar outros problemas de saúde.
— A obesidade é uma condição que acaba sendo, além de uma doença, um fator de risco para diversas outras condições. Risco cardiovascular, neoplasias e riscos metabólicos associados à obesidade são extremamente importantes. Mas também, por exemplo, existem pacientes que podem desenvolver compulsão alimentar por ausência desse bio feedback de saciedade, sem necessariamente desenvolver a obesidade — acrescenta.