- Dezembro é o mês com mais vítimas da pandemia no RS nos primeiros 17 dias
- UTIs começam a caminhar para o esgotamento em algumas cidades
- Médicos pedem mais restrições por parte das autoridades e rogam que população se reúna com máscaras e entre poucas pessoas para evitar caos hospitalar em janeiro
Dois importantes acontecimentos da quarta-feira (16) ilustram a gravidade da pandemia no Rio Grande do Sul: enquanto o Estado registrou um recorde de 96 mortes por coronavírus em um único dia, o prefeito de Caxias do Sul, Flavio Cassina (PTB), se reuniu com diretores dos seis hospitais da cidade para declarar à população o colapso da rede hospitalar:
— Estamos com a capacidade (hospitalar) totalmente estourada. Temos dificuldade de manutenção da bandeira vermelha e estamos na iminência de passar para a bandeira preta. Alguns já falam em lockdown. A situação é terrível. Nunca se esteve tão fora do controle como se está agora. Pedimos apoio de toda a comunidade que não está levando muito a sério — afirmou o prefeito de Caxias do Sul.
O governo do Estado vem alertando há dias que o Rio Grande do Sul está no pior momento da pandemia – o Estado tem a quarta pior taxa de mortes no Brasil na última semana.
Dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES) mostram ainda que dezembro está sendo o mês com mais vítimas durante toda a pandemia em território gaúcho, iniciada em março.
Nos primeiros 17 dias de dezembro, 1.130 gaúchos morreram por causa do coronavírus – no mesmo intervalo de tempo em agosto, 868 pessoas haviam morrido, naquilo que era a pior fase da pandemia no Rio Grande do Sul, até então.
A pandemia tem piorado diariamente no Estado: a média móvel de mortos da quinta-feira (17) foi de 70 pessoas por dia, a mais alta do ano e 20% a mais do que no mesmo dia da semana anterior.
A maioria das mortes está concentrada em idosos de 60 anos para cima. Já os casos estão entre adultos de 20 a 49 anos, uma faixa etária cujo ritmo de infecção cresce. Análise do Palácio Piratini mostra que, em média, leva 23 dias para uma pessoa se infectar e morrer por coronavírus.
O maior receio de médicos é de que haja uma explosão de casos após as festas de fim de ano, nas quais jovens, idosos e pessoas com comorbidades vão se encontrar. Para além disso, a pesquisa Epicovid, promovida pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), mostrou que a prevalência do coronavírus entre gaúchos ainda é baixa, o que permite uma margem muito grande de pessoas que podem se infectar.
Três médicos gaúchos, integrantes do Comitê Científico de combate ao coronavírus do Palácio Piratini, alertam que a alta de mortes ocorre devido à liberação das atividades e pedem mais restrições. Ressaltam, ainda, que as regiões em pior situação são Bagé e Pelotas, já em bandeira preta, e Serra, que não entrou em bandeira preta por 0,01 ponto nesta semana.
Na quinta-feira, a Região Metropolitana tinha 0,41 leito livre para cada vaga ocupada por pacientes com coronavírus. Na Serra, era 0,45 e no Sul, 0,89. No Estado como um todo, o índice estava em 0,49. Abaixo de 1, o indicador entra em bandeira preta porque o sistema hospitalar caminha para o colapso.
A médica epidemiologista Lucia Pellanda, reitora da Universidade Federal de Ciência da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), afirma que “agora é o momento de ter mais restrições”.
— Esse é o pior momento que já vivemos desde o início do ano. Se a gente não quer chegar ao esgotamento de leitos, precisamos ter cuidado. O grande problema é que estamos esperando uma piora com as festas de fim de ano, e janeiro será trágico se não houver mudança de comportamento. Não é nem ficar em casa: é usar máscara e manter o distanciamento— afirma Lucia.
Proporcionalmente, o Rio Grande do Sul tem a quarta mais alta taxa semanal de mortes do país – atrás apenas de Santa Catarina, Espírito Santo e Paraná (veja o gráfico a seguir). O Sul do país se torna o novo epicentro da pandemia.
— A segunda onda começou com força na Região Sul, e o principal motivo é ter iniciado a reabertura no mesmo momento que outros Estados. Enquanto outros registravam maior queda em taxas de contaminação, nós tínhamos menor queda e há menos tempo. Quem promove reabertura tendo maior transmissão comunitária terá aumento de casos mais cedo. Já vínhamos com tendência de crescimento antes do período das eleições — avalia o professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki.
A segunda onda começou com força na Região Sul, e o principal motivo é ter iniciado a reabertura no mesmo momento que outros Estados. Enquanto outros registravam maior queda em taxas de contaminação, nós tínhamos menor queda e há menos tempo. Quem promove reabertura tendo maior transmissão comunitária terá aumento de casos mais cedo
ALEXANDRE ZAVASCKI
Professor de Infectologia da UFRGS
O Estado está na segunda onda em patamar semelhante ao de países europeus. Nos últimos sete dias, a taxa de mortalidade no Rio Grande do Sul é de 4,32 a cada 100 mil habitantes, próximo os índices de Alemanha (4,73) e França (4,10) e pior do que da Espanha (3,06).
A piora da pandemia é refletida no modelo de distanciamento controlado. A classificação em bandeira preta ocorrida nesta semana foi a primeira desde o início desse sistema.
Em mais de uma oportunidade, a secretária de Estado da Saúde, Arita Bergmann, pediu que os gaúchos se conscientizem para usar máscaras e evitar aglomerações, e classificou o cenário do Rio Grande do Sul como "assustador".
O governador Eduardo Leite chegou a suspender a cogestão de bandeiras (flexibilização de restrições a pedido dos prefeitos). Mas, dias depois, permitiu que regiões de bandeira preta operem com status de bandeira vermelha. O Piratini também permitiu a permanência na faixa de areia de praias, com uso de máscara e um metro de distanciamento.
— Estamos vendo cidades começarem a apresentar colapso no sistema de saúde, como Caxias do Sul, Cachoeira do Sul e Pelotas. O momento de controlar apenas com alertas já passou, era quando começaram as aberturas. A gente vai ter ainda um aumento de óbitos, porque tem muitas pessoas doentes sendo atendidas. O que podemos evitar são óbitos por falta de cuidado, mas isso vai exigir ações maiores dos governantes do que um pedido de conscientização às pessoas — acrescenta Zavascki.
O governador tem nos dito que, se as regiões e as cidades se organizarem, as medidas serão mais efetivas. Mas parece haver resistência em varias regiões. Só que agora, com a Serra dizendo que é preciso que as medidas sejam mais restritivas, é porque se percebe que a realidade é bastante difícil
RICARDO KUCHENBECKER
Médico epidemiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
Em nota enviada à reportagem, o governo do Estado afirma que está investindo em conscientizar, mas que "essa responsabilidade dividimos com as prefeituras e com toda população gaúcha. Fundamental que todos sigam fazendo a sua parte, principalmente com a chegada do final de ano. Reforçamos que todos se cuidem, que evitem aglomerações, que evitem contatos desnecessários". Leia a nota completa a seguir.
— A população responde a lideranças locais. Prefeitos têm muito mais ascendência sobre comércio e comunidade do que uma medida a partir do governo do Estado. O governador tem nos dito que, se as regiões e as cidades se organizarem, as medidas serão mais efetivas. Mas parece haver resistência em varias regiões. Só que agora, com a Serra dizendo que é preciso que as medidas sejam mais restritivas, é porque se percebe que a realidade é bastante difícil — comenta Ricardo Kuchenbecker, médico epidemiologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).
O que diz o governo do Estado
"De acordo com as informações do Comitê de Dados, o Estado está com a maior média de óbitos desde o início da pandemia: 70 óbitos diários. A situação é grave. Como foi alertado no fim de novembro, estamos vivendo uma segunda onda do novo coronavírus. Na ocasião, reforçamos a necessidade de obediência aos protocolos e às regras sanitárias estabelecidas pelo Distanciamento Controlado que, desde sua origem, tem orientado pela busca do melhor equilíbrio entre proteção à vida e preservação da economia.
Como Governo, não estamos medindo esforços para reverter o cenário atual. Nossos comitês estão trabalhando ativamente e reforçando campanhas de conscientização. Contudo, essa responsabilidade dividimos com as prefeituras e com toda população gaúcha. Fundamental que todos sigam fazendo a sua parte, principalmente com a chegada do final de ano. Reforçamos que todos se cuidem, que evitem aglomerações, que evitem contatos desnecessários.
Apesar do cenário negativo atual, os dados demonstram queda no número de suspeitos, de 725 para 677. Já na soma de Leitos Clínicos e UTI e considerando suspeitos e confirmados, estamos praticamente com o mesmo número de internados de uma semana atrás. Para dar conta do atendimento ao crescente número de casos de Covid-19 colocamos em operação mais 117 leitos de UTI nos últimos 20 dias. Nas próximas semanas, ainda serão abertos mais 58 leitos de UTI adulto, alcançando um crescimento de pelo menos 110% desde o início da pandemia. Todos leitos abertos recentemente estão sendo destinados para receber pacientes com coronavírus pelo SUS, em hospitais de diferentes regiões do Estado.
O Governo segue monitorando os dados e não descarta a possibilidade de medidas mais restritivas aliadas às prefeituras, caso seja necessário."