Carolina Leães Rech (*) e Letícia Schwerz Weinert (**)
Novas diretrizes nacionais e internacionais vêm classificando a obesidade como uma doença crônica. Essa mudança ocorreu devido ao reconhecimento de que ela está associada ao agravamento de diversas outras condições de saúde gerando aumento de morbidade e de mortalidade. Diabetes, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares — como infarto do coração, insuficiência cardíaca e acidente vascular encefálico, doenças osteoarticulares — como artrose, apneia do sono, doença gordurosa do fígado e alguns tipos de câncer são exemplos de condições associadas à obesidade. Paralela e silenciosamente, tem-se o estigma social e as dificuldades de acesso e de mobilidade que pacientes com obesidade nas formas mais avançadas enfrentam na sua rotina diária.
Diagnosticar a obesidade de forma correta é essencial. Neste contexto, especialistas de todo o mundo redigiram um novo documento científico no qual ressaltam que o tradicional método de definir obesidade, o índice de massa corporal (IMC), deve continuar sendo utilizado, mas não como única ferramenta. Outras medidas para avaliar excesso de gordura corporal e sua distribuição (circunferência abdominal, razão cintura-quadril e medida da taxa de gordura corporal), além de exames complementares para avaliar o comprometimento multissistêmico pela doença, devem ser incorporados. Nessa nova proposta, poderemos classificar a obesidade em “pré-clínica” (função preservada dos órgãos, mas com risco aumentado de desenvolver doenças) ou “clínica” (quando já há disfunção de órgãos como coração e fígado ou quando há limitação das atividades diárias) e, com isso, individualizar o tratamento.
Importante ressaltar que, para as doenças metabólicas, tempo é sinônimo de memória metabólica. Em relação ao diabetes, por exemplo, que é condição associada à obesidade, quanto melhor e mais brevemente se controla o nível de açúcar no sangue, menores serão as taxas de complicações crônicas futuras. Além disso, não é de hoje que a ciência mostra que “obesidade saudável” é um mito, pois pacientes com obesidade e exames normais apresentam maior risco de problemas de saúde ao longo dos anos subsequentes em relação aos com peso normal. Conforme meta-análise (análise científica que reúne dados de vários estudos) publicada em 2013, esse risco é 24% maior.
Ainda, a presença da chamada síndrome metabólica (deposição abdominal de gordura associada a alterações na glicose, no colesterol e a aumento da pressão arterial) eleva o risco cardiovascular mesmo nos pacientes com IMC considerado normal. Essas evidências reforçam o papel fundamental do diagnóstico precoce e a necessidade de se combater a inércia terapêutica (atraso em iniciar ou intensificar uma terapia quando apropriado), oferecendo prontamente tratamento adequado para promover a saúde dos pacientes. Ou será que faz sentido deixar de diagnosticar e de tratar os estágios iniciais de uma doença para intervir apenas quando já tivermos maiores repercussões ou prejuízos à saúde?
Em relação à obesidade, mais do que só a redução de peso, o objetivo do tratamento é melhorar os indicadores de saúde e a qualidade de vida. Os novos medicamentos disponíveis vêm revolucionando o tratamento com segurança e eficácia, aliados ao alicerce fundamental da modificação nos hábitos de vida, incluindo alimentação balanceada (mais alimentos in natura e menos alimentos ultraprocessados), prática de atividade física regular, higiene do sono e manejo do estresse.
Infelizmente, o preconceito com a doença obesidade e com os seus medicamentos, tanto por parte da sociedade quanto dos profissionais de saúde, ainda é um grande limitador. Estudos mostram que apenas 1% das pessoas com indicação clínica do uso de medicamentos antiobesidade os recebem. Precisamos mudar essa realidade. Tratar a obesidade como uma doença, com respeito e responsabilidade é uma tarefa de todos. Tempo é saúde. E com saúde não se brinca.
(*) Presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia da regional RS (SBEM-RS), chefe do serviço de Endocrinologia da Santa Casa de Porto Alegre e Professora da Ufcspa
(**) Presidente eleita da SBEM-RS