A exemplo de Porto Alegre, onde aumentou a ocupação das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) por pacientes com covid-19 nas últimas semanas, municípios do Litoral Norte também estão atentos e temerosos quanto à situação da saúde neste final de 2020. O risco de um crescimento ainda maior de atendimentos a pacientes com coronavírus, puxado por uma transmissão acelerada em função da ida de muitas pessoas às praias neste final de ano, tem preocupado as prefeituras, que pedem cooperação da população para a situação não fugir do controle.
Até o meio da tarde deste domingo (27), os números indicavam a ocupação de todos os leitos de UTI em alguns municípios como Torres e Tramandaí, e índices de alerta em locais muito visados pelos veranistas, como Capão da Canoa, acima de 70% no final de semana.
O secretário da saúde de Tramandaí, Luciano Von Saltiél, lembra que mesmo números abaixo do limite não indicam sensação de segurança porque, em municípios como os litorâneos, a capacidade do sistema de saúde é dedicada à população local. Com o aumento da quantidade de visitantes, os poucos leitos disponíveis podem não dar conta da alta demanda.
— Nossa capacidade de internação de UTI é muito limitada. A microrregião em que estamos contempla aproximadamente 300 mil habitantes, e, neste período de veraneio, chegamos a ter de 400 mil a 500 mil pessoas só em Tramandaí. Então, a gente entende que a população tem que abraçar essa ideia e se cuidar. Nossa preocupação é conscientizar de que realmente o somatório das individualidades é que vai dar o resultado coletivo — descreve Saltiél.
A funcionária pública aposentada Nilce Amaral, 68 anos, moradora de Campo Bom e que costuma passar longas temporadas na praia em Capão Novo, revela muita preocupação com o aumento do fluxo de pessoas no Litoral. Neste ano, pela primeira vez em mais de uma década, ela passará as festas de Natal e Ano-Novo longe da praia, no município onde mora.
— Mesmo quando a fiscalização é intensificada, a gente vê pessoas se aglomerando no calçadão, quase ninguém usando máscara, muita gente despreocupada, nem aí. Então, tendo escolha, prefiro não me submeter a isso. A gente tem que se conscientizar — descreve a aposentada.
Em busca da conscientização dos veranistas, que tendem a ir em peso às praias neste final de ano, as prefeituras têm buscado se mobilizar. Durante a tarde de quarta passada (23), a secretaria de Saúde de Tramandaí, em parceria com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), fez uma ação voltada aos motoristas que chegavam à cidade, procurando passar instruções sobre os cuidados básicos necessários e orientando que se evite aglomerações.
Em Torres, que tipicamente promove a maior festa de Réveillon na praia do Estado, com público superior a 500 mil pessoas, o prefeito Carlos Alberto Matos de Souza diz que principal preocupação, no momento, é com a saúde das pessoas. Por isso, o município não fará nenhum tipo de programação, tanto em relação a shows quanto a fogos de artifício, e já intensificou a fiscalização. A prefeitura de Torres também ampliou as ações de conscientização, distribuindo uma cartilha com recomendações para as festas de final de ano.
Em Cidreira, que não conta com hospital, todos os leitos dedicados a pacientes com covid-19 estavam ocupados na quarta-feira (23). O secretário municipal da Saúde, João Eugênio Bertuzzi de Paula, relata que a demanda já se encontrava muito alta antes do Natal, e os casos mais graves tinham de ser levados ao Hospital de Tramandaí.
— Estamos com muito medo, pois tivemos um inverno com muitos casos. Nossa maior preocupação é a partir de janeiro. Os finais de semana do Natal e do Réveillon são de grande movimento em Cidreira. A população da cidade praticamente triplica. Precisamos entender que os nossos profissionais da saúde também estão cansados — diz o secretário.
Em Balneário Pinhal, que tampouco conta com hospital e também tem como referência a unidade de Tramandaí, a demanda por atendimento em saúde também estava muito alta ao longo da semana passada. Conforme o secretário da Saúde, Alex da Silva Bandeira, a maior dificuldade é a transferência de pacientes: o município não tem estrutura física nem equipes para ficar com os pacientes em seu próprio território.
A prefeitura de Balneário Pinhal reforça o pedido de cooperação da população para o sistema de saúde não entrar em colapso.
— Queremos que isso não aconteça, mas sabemos que em dois dias nossa população aumenta de 20 mil para 80 mil. É uma preocupação muito grande. Por mais que os municípios invistam em estrutura, vamos ter dificuldades em disponibilizar médicos e enfermeiros — destaca Bandeira.
Em Arroio do Sal, demanda pode exceder capacidade hospitalar
Uma movimentação maior começou a ser registrada na quarta em Arroio do Sal, podendo refletir no volume de atendimentos prestados pelo município. O principal destino dos veranistas da Serra não conta com hospital e depende de referências regionais para casos de internação, que já oscilam entre 90% e 100% da capacidade máxima de ocupação em leitos de UTI. Na tarde de domingo, a taxa geral de uso das UTIs na região Covid de Capão da Canoa, que abrange as cidades vizinhas, se encontrava em 92,3%.
Ainda em outubro, um Centro de Triagem de Síndromes Gripais 24h foi instalado ao lado do Plantão de Urgência e Emergência 24h, onde os pacientes são testados conforme protocolos do Ministério da Saúde, medicados e, quando necessário, recebem atendimento intermediário enquanto aguardam internação. De acordo com o secretário municipal de Saúde, Diego Feldmann, a demanda por atendimentos no local aumentou desde meados de novembro, passando da média diária de dois para 20. Para covid-19, a média tem sido de 10 a 12 confirmações a cada dia.
— Em outros anos, o aumento de veranistas na cidade já era intenso no início de dezembro. Neste ano, com a pandemia, percebemos que as pessoas deixaram para vir de forma mais pontual, para Natal e Ano-Novo. Então, acredito que em janeiro poderá aliviar, mas estamos muito tensos com essa explosão de casos que tende a ocorrer agora. Já estamos começando a registrar pacientes não residentes. Somente na quarta (23), foram três confirmações de moradores de Farroupilha, Caxias do Sul e Nova Prata — afirma o secretário.
Desde o início da pandemia até a véspera do Natal, a cidade havia registrado 361 casos de covid-19, sendo que oito pessoas morreram. Conforme boletim epidemiológico do município, 10 casos estavam ativos, e um dos pacientes estava internado no Hospital Beneficente Nossa Senhora dos Navegantes, em Torres. O local é referência de internações para Arroio do Sal e, conforme dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES), seguia com ocupação máxima em leitos de UTI até este domingo.
O Hospital Beneficente Santa Luzia, de Capão da Canoa, que também é referência para o município, chegou a ficar com 100% de ocupação de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS) e apenas um privado disponível na tarde de quarta passada — cifra que recuou para 72,7% na média geral no domingo.
De acordo com Feldmann, o aumento de turistas em Arroio do Sal poderia dobrar o número de casos, contribuindo para um colapso na rede regional.
— O risco de colapso é iminente. A conscientização surte efeito, mas não o desejado. As pessoas estão vindo sem tomar os cuidados necessários, estão bastante negligentes quanto a isso. E muitas resistem ao uso da máscara até mesmo dentro de estabelecimentos — aponta Feldmann. — Locamos mais uma ambulância (totalizando cinco) para os próximos 30 dias, contratamos mais profissionais, ampliamos o quadro médico também, mas tudo funciona até parar de funcionar — completa o secretário.