O financiamento do estudo da prevalência de coronavírus no Brasil foi interrompido nesta terça-feira (21) pelo Ministério da Saúde. A pesquisa Epicovid era coordenada pelo Centro de Pesquisas Epidemiológicas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Segundo o reitor da instituição, epidemiologista Pedro Hallal, a decisão não foi técnica, mas política. Em visita ao Rio Grande do Sul nesta terça (21), o ministro disse que a pesquisa estava "muito regionalizada" (leia ao fim do texto).
— (É uma decisão) totalmente política. Tecnicamente, os artigos decorrentes desta pesquisa estão sendo publicados nas revistas de maior referência no mundo — disse em entrevista ao Timeline, da Rádio Gaúcha, nesta manhã. — A nossa pesquisa mostrou que nos indígenas o risco de contaminação é cinco vezes maior. Entre os pobres é o dobro do risco. Ou seja, as populações mais vulneráveis que deviam estar sendo protegidas, não estão sendo protegidas — explicou.
O pesquisador afirmou que a interpretação dos dados às vezes não soa técnica, embora seja. Como exemplo, contou que entre a primeira e a segunda fases da pesquisa foi verificado aumento muito grande na prevalência do vírus na população. Entre a segunda e a terceira fases, diminuiu. O primeiro resultado, afirmou, o ministério não gostou, e o segundo, gostou.
— A gente não sabe se eles não gostaram do resultado, se eles acham que tem algum componente ideológico, se eles só querem fazer pesquisa com quem vota neles — disse.
— O governo federal olha os resultados da nossa pesquisa e gosta ou não gosta. Ministério não tem que gostar ou não gostar do resultado, tem de usar a política para proteger a população — complementou.
De acordo com Hallal, o custo da pesquisa é baixo para o governo federal. Cada fase custa R$ 4 milhões, valor que pode ser parcelado.
— R$ 8 milhões por mês. Por mais três meses mantém a população brasileira sabendo a real dimensão da pandemia — disse.
A importância da pesquisa, defendeu, é a possibilidade de mensurar a real dimensão da doença no Brasil.
— Todo mundo dizia que essa doença tem a maior parte dos casos assintomáticos. Aí vem o pessoal da Espanha e nós fazemos uma pesquisa grande. E a gente mostrou que isso está errado. É uma frase corriqueira que está totalmente errada. Aqui no Brasil, 89% das pessoas apresentam sintomas, mesmo que leves — exemplificou, acrescentando que com essa informação poderiam ter sido adotadas outras medidas para conter o avanço da covid-19.
— Se a gente não tiver pesquisa, tomamos decisões no escuro — afirmou.
Conforme Hallal, agora serão buscadas outras formas de financiar a pesquisa:
— Espero que no máximo em uma semana a gente possa anunciar que o Epicovid não vai parar, justamente porque a população brasileira precisa dessa pesquisa.
O que diz o Ministério
Em nota, o ministério informou que "dará continuidade a estudos de inquérito epidemiológico de prevalência de soropositividade na população. Ainda não está definido se será a continuação do Epicovid19-BR, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ou por outra instituição, ou PNAD Covid, pelo IBGE. Uma alternativa em estudo é utilizar ambas as estratégias".
O ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou em visita ao Rio Grande do Sul que a pesquisa estava "muito regionalizada" e faltava uma "triangulação de ideias".
– A pesquisa estava muito boa, mas com dificuldade de ter uma posição nacional. Para efeito de Brasil, a gente precisaria mudar alguns focos do que foi contratado com a universidade, e a gente está discutindo isso. Fica muito regionalizada, a pesquisa dessa forma ficou muito regionalizada e tivemos dificuldade de transferir o raciocínio e fazer uma triangulação das ideias para efeito de Brasil como um todo. O Brasil é muito heterogêneo, e precisaríamos de pesquisas individualizadas em cada região do país. É o que estamos avaliando – disse Pazuello.
Ouça, abaixo, a entrevista na íntegra:
Em relação à situação do Rio Grande do Sul, Hallal afirmou que, no início da pandemia, não recomendava o lockdown, e sim a testagem em massa e a busca ativa dos contatos.
— Só tem duas coisas que funcionaram no mundo para frear o coronavírus. A primeira foi isso, política de testagem massiva, e a outra foi lockdown quando a doença está descontrolada. Sobre a busca pelos contatos, vamos falar a verdade: poderia ter sido feita, só não teve prioridade. Desenvolve um aplicativo, um questionário, identifica as pessoas com sintomas, especialmente aquelas com perda de paladar, testa todas que derem positivo para esses sintomas, e se alguém tiver dado positivo, pergunta: “quais foram as 10 pessoas que teve contato mais próximo nos últimos 10 dias?”. E aí vai atrás dessas pessoas — explicou.
O pesquisador também lembrou que, no início da pandemia, o Rio Grande do Sul foi exemplo de distanciamento social. O problema, segundo ele, não é o Estado ter começado as políticas de prevenção ao coronavírus muito cedo, e sim ter aberto o comércio:
— Eu dizia: olha, em time que está ganhando não se mexe. Se mexeu no time que estava ganhando, o Rio Grande do Sul abriu e o vírus bombou. Não bombou por causa do inverno, bombou porque abriu.
Hallal disse que a melhor coisa a se fazer, inclusive para a economia, é fechar as portas totalmente. A outra alternativa seria deixar o vírus cumprir seu curso, e viver uma situação como a de Manaus, no Amazonas, onde o sistema de saúde chegou ao colapso.
— Neste momento, a recomendação que eu daria para o governador Eduardo Leite e para todos os prefeitos do Estado é fechar as portas de verdade por duas a três semanas. Inclusive para a economia essa é a melhor solução — disse.
Em um cenário de lockdown, explicou, estariam funcionando apenas atividades essenciais — como farmácia e supermercado — com horário controlado, priorizando telentrega. É possível até mesmo pensar em um sistema como o que foi adotado na Europa, de precisar de agendamento e autorização para sair de casa.
— Vamos falar a verdade, deu certo. A gente está sempre citando exemplo do que não deu certo. Isso deu certo. Na França deu certo, na Espanha deu certo, em Nova York deu certo. A curva não voltou a subir em nenhum desses lugares. Nos outros lugares dos Estados Unidos os números voltaram a subir. Mas nos lugares onde se fez um lockdown rigoroso, a curva não voltou a subir — disse, explicando que o vírus não consegue contaminar na mesma intensidade por mais do que 14 semanas.
Leia a íntegra da nota de Ministério da Saúde
"O Ministério da Saúde dará continuidade a estudos de inquérito epidemiológico de prevalência de soropositividade na população. Ainda não está definido se será a continuação do EPICOVID19-BR, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) ou por outra instituição, ou PNAD Covid, pelo IBGE. Uma alternativa em estudo é utilizar ambas as estratégias.
O Ministério da Saúde esclarece ainda que, conforme estava previsto no Termo de Execução Descentralizada (TED) firmado com a UFPel, as três etapas previstas da pesquisa EPICOVID19-BR foram executadas. A pesquisa "Evolução da Prevalência de Infecção por COVID-19" foi financiada pelo Ministério da Saúde por meio de um Termo de Execução Descentralizada de Recursos. O extrato foi publicado no Diário Oficial da União."