Uma casa de dois pisos e terraço, localizada em tranquila região do bairro Menino Deus, em Porto Alegre, traz marcas da estafa da população com os problemas urbanos. O imóvel está desocupado, na esquina das ruas Marcílio Dias e Gonçalves Dias, mas os proprietários espalharam súplicas pelo muro e portas na tentativa de dissuadir novos furtos e depredações.
Os primeiros recados foram pichados no muro, em uma sequência de quatro mensagens em letras garrafais: “Casa vazia. Já roubada”, dizem as duas primeiras, na parte da contenção mais próxima do portão de ferro. Na sequência, as frases buscam cientificar de que não há mais nada a ser levado por pequenos furtadores: “Sem fios, louças, móveis, canos, etc. Casa vazia!!! Sem relógios CEEE e Dmae. Favor, não depredar mais”.
A residência é protegida por um muro de mais de 1m75m de altura, acrescido de grade e de arame farpado circular. O conjunto de defesa ultrapassa 2m. O portão de ferro está fechado.
Olhando da calçada, é possível avistar bilhetes deixados aos que resolvem pular para dentro do pátio. São duas portas de ferro, com vazamentos para iluminação cobertos por janelas de vidro e protegidos por grades. Cada estrutura traz um bilhete escrito à mão, em folhas brancas, envelopadas em plástico.
Um deles apela:
Já foi roubada toda fiação, disjuntores, metais, lustres. Casa está totalmente vazia. Por favor, não destrua mais nada”.
O segundo tem conteúdo semelhante. Uma das vidraças da porta foi quebrada. Ali, atado aos estilhaços, a proprietária deixou mais um recado em tom de alerta, para o caso de o invasor ter ignorado os anteriores:
Será trabalho à toa. Já foi roubada”, diz o aviso, tentando derradeiramente desmotivar o furto.
A reportagem, após diversas tentativas de localizar os proprietários em contatos com a vizinhança, visitas à região e pesquisas nos cartórios de registros de imóveis, encontrou duas das donas na tarde de quinta-feira (24), em frente à moradia. Mãe e filha, Nara Vieira, 65 anos, e Raíza Vieira, 31 anos, estavam acompanhadas de dois empreiteiros que devem começar em breve uma reforma do imóvel.
Nara conta ter morado ali com a família ao longo de 53 anos, período em que testemunhou a transformação urbana do bairro Menino Deus. Em 2017, todos saíram devido ao início de um inventário. A casa ficou desocupada, mas recebia checagens e reparos pontuais dos herdeiros.
Os furtos começaram em 2021: na primeira ocasião, arrancaram a peça externa do ar-condicionado, na altura do segundo andar, e a arremessaram na calçada. O equipamento restou espatifado e os criminosos levaram os metais que conseguiram arrancar.
Depois disso, aconteceram mais três ataques, com arrombamentos de portas e janelas. Nessas ocasiões, furtaram tudo o que foi descrito nos cartazes e muro, além de outros itens, como chuveiro e caixa de correio.
O processo de inventário foi encerrado em fevereiro de 2024. A decisão dos herdeiros foi por reformar e dar uma destinação ao imóvel: venda, locação ou inauguração de um negócio familiar. A arrumação começou em 8 de abril de 2025, com o investimento de R$ 1.690 para instalar um novo poste com fiação de espera para a religação da energia elétrica. No dia seguinte, a CEEE Equatorial instalou o relógio de aferição.
Menos de 24 horas depois, em 10 de abril, o dia amanheceu com a fiação toda arrancada. Também furtaram um disjuntor. Tentaram levar o relógio da energia elétrica, mas não conseguiram. Ele ficou despencado na caixa e a CEEE Equatorial foi chamada para recolher o aparelho. Dois dias depois, indignadas, as proprietárias espalharam os apelos pelos muros e portas.
— Minha filha ficou tão furiosa que foi numa papelaria comprar uma lata de spray para pichar o muro, dizendo que não tem mais nada para roubar e pedir que parem de destruir — relata Nara, servidora pública aposentada.
Ela destaca que, sem água e luz, não consegue começar a reforma.
Será que vou ter de colocar alguém para dormir aqui e ficar de vigia? Não sei mais o que fazer. Dependo de um pouco de segurança do Estado.
NARA VIEIRA
Proprietária do imóvel
Ela lamenta outros gastos que teve a cada arrombamento, como o reforço de portas e janelas. A casa chegou a ter placa de venda durante curto período do inventário, mas, ultimamente, não continha nenhuma informação sobre disponibilidade imobiliária.
Furtos caíram no Menino Deus
O comandante do 1º Batalhão de Polícia Militar (1º BPM), Eduardo Moura Mendes, destaca que os furtos e arrombamentos diminuíram no bairros Menino Deus, Praia de Belas e Santa Tereza, todos atendidos pela sua unidade. Entre 1º de janeiro e 23 de abril de 2024, foram 43 ocorrências do gênero. No mesmo período de 2025, redução para 16 registros. Apesar da queda, Mendes comenta que esse tipo de crime não é raro e vem de longa data, o que está vinculado, diz ele, à característica da região.
O bairro Menino Deus tem muitos moradores idosos e casas antigas. Em diversos casos, destaca, os imóveis ficam vazios por longos períodos, seja por mudança de residência, inventário ou falecimento.
— Aumentou a comunidade de moradores de rua do Menino Deus, principalmente depois da enchente de 2024. Junto da questão dos moradores de rua, temos as drogas. Isso está relacionado com furtos e arrombamentos para a obtenção de algum bem que possa ser trocado para satisfazer o vício — contextualiza Mendes.
Ele afirma que o batalhão desenvolve três ações cotidianas nos bairros atendidos. Durante o dia, patrulhas de bicicleta e motorizadas que fazem contatos frequentes com comerciantes, inclusive em grupo de WhatsApp com mais de 300 integrantes, e abordam pessoas suspeitas de delitos ou perturbações. À noite, em viaturas, o foco muda.
A patrulha noturna trabalha só na abordagem de andarilhos da madrugada. O objetivo é evitar furtos de fios e cabos de residências e de estabelecimentos comerciais. Os números indicam que está surtindo efeito.
EDUARDO MOURA MENDES
Comandante do 1º BPM
Nara Vieira concorda que parte dos furtos no seu imóvel ocorreu por ação de viciados. Contudo, houve ocasiões em que serraram o ferro de grades e portas. E, mais curioso, quando lhe furtaram um holofote do pátio instalado numa altura de cerca de três metros. Depois de desatarem a peça, tiveram o cuidado de isolar os fios para evitar um acidente no ato ou curto circuito posterior.
— Também teve ação de profissional — conjectura Nara.
Medidas de segurança
Contratação de empresa privada de segurança, instalação de sensor de movimento dentro da residência e a resposta de profissionais treinados ao alarme de invasão são medidas eficazes contra arrombamentos e furtos, destaca Alberto Koppitke, diretor do Instituto Cidade Segura. As câmeras de monitoramento, a cerca elétrica e a iluminação adequada do pátio e da área de acesso também são ações eficientes.
Koppitke traz ao debate uma medida considerada polêmica, mas cujos resultados demonstram eficácia, segundo ele: preferência às grades, que dão visibilidade à entrada da casa, em relação aos muros.
Quanto mais visível de fora para dentro, com boa iluminação, ajuda. O muro pode funcionar como atrativo por ser uma proteção para o bandido, escondendo a ação dele
ALBERTO KOPPITKE
Diretor do Instituto Cidade Segura
No caso de imóvel abandonado, ele destaca que é importante ter políticas de urbanismo da prefeitura. Casas e prédios em situação de degradação costumam ampliar a sensação de insegurança e atrair infratores.
— São fatores de risco para a violência, causam aumento de roubos no entorno. Requerem políticas de urbanismo, estimulando cuidado com os imóveis e notificando os proprietários em caso de abandono — afirma Koppitke.