O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) aceitou nesta quinta-feira (30) o pedido do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) para transferir o caso do incêndio da Pousada Garoa da Vara Criminal para a Vara do Júri. A mudança se deve ao entendimento de que há elementos de dolo eventual nas 11 mortes provocadas pelo fogo, em abril de 2024.
Para o promotor de Justiça responsável pelo caso, Luís Alberto Bortolacci Geyer, estão presentes indícios de que os envolvidos na ocorrência assumiram o risco de causar a morte, mesmo sem ter essa intenção diretamente, conforme o MPRS.
Em dezembro do ano passado, a Polícia Civil indiciou três pessoas por incêndio culposo, ou seja, sem intenção de matar, com o agravante morte. Com isso, o caso seria tratado pela vara criminal e julgado diretamente por um juiz.
Para o MPRS, o responsável pela pousada, André Kologeski da Silva, o presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), Cristiano Atelier Roratto, e a fiscal do contrato da pousada junto à prefeitura, Patrícia Mônaco Schüler, assumiram conscientemente o risco de uma tragédia, já que estavam cientes das condições inseguras do local.
Agora, caso haja denúncia e ela seja aceita pela Justiça, eles poderão ser julgados por um Tribunal do Júri. O conselho é formado por um juiz de direito e por jurados sorteados entre cidadãos comuns.
Em nota, a defesa de Cristiano Atelier Roratto disse que o Tribunal do Júri é "absolutamente incompetente para processar e julgar o caso, pois inexiste qualquer elemento que configure dolo eventual". Além disso afirma que o dolo eventual pressupõe "que o agente tenha assumido conscientemente o risco do resultado, o que não ocorreu no presente caso". (leia a íntegra ao final da reportagem)
Zero Hora entrou em contato com a defesa de André Kologeski da Silva, mas não obteve retorno até a atualização mais recente deste texto. A reportagem não conseguiu localizar a defesa de Patrícia Mônaco Schüler.
O processo foi transferido para o 2º Juizado da 3ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre. Entre os argumentos utilizados pelo MPRS no pedido acatado pela juíza Eda Salete Zanatta de Miranda, estão a falta de um plano de prevenção contra incêndios, problemas de evacuação, a ausência de funcionários treinados para emergências e uma estrutura inadequada, como saídas bloqueadas e materiais inflamáveis perto dos quartos.
Conforme a promotoria, o novo entendimento foi possível após a análise de novas diligências, solicitadas no dia 17 de janeiro.
No entendimento do MPRS, as mortes foram causadas por negligência, e a FASC foi a responsável direta por inserir as pessoas que já se encontravam em situação de vulnerabilidade social nas acomodações inadequadas da pousada.
Ainda segundo o promotor, a falta de fiscalização recente no local permitiu que a pousada continuasse sendo um ambiente de “insegurança extrema, onde uma tragédia era mais do que previsível”.
O que diz a defesa de Cristiano Atelier Roratto
"A defesa de Cristiano Atelier Roratto vem a público manifestar sua profunda preocupação com a condução das investigações relacionadas ao incêndio ocorrido em 26 de abril de 2024 na Pousada Garoa, em Porto Alegre/RS. O inquérito policial nº 325/2024/100317-A, conduzido pela 17ª Delegacia de Polícia, apresenta omissões graves que comprometem a busca pela verdade e a justiça, sendo imprescindível a reabertura das investigações para o completo esclarecimento dos fatos.
É importante ressaltar que Cristiano Atelier Roratto, enquanto gestor da Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), desempenhava exclusivamente funções administrativas, sem qualquer ingerência sobre a estrutura e segurança da Pousada Garoa. No entanto, a acusação contra ele parte de uma interpretação equivocada de dolo eventual, que desconsidera a ausência de nexo causal entre sua conduta e o incêndio.
O inquérito policial ignora evidências cruciais que apontam para fortes indícios de incêndio criminoso, bem como testemunhos que relatam a presença de um indivíduo desconhecido na pousada momentos antes do incêndio. A defesa reitera que a investigação falhou ao não aprofundar-se nessas evidências e ao não considerar documentos e notificações realizadas pela FASC, que comprovam a fiscalização ativa da fundação sobre o local.
Além disso, enfatizamos que o Tribunal do Júri é absolutamente incompetente para processar e julgar o caso, pois inexiste qualquer elemento que configure dolo eventual. Conforme prevê o Código Penal, o dolo eventual pressupõe que o agente tenha assumido conscientemente o risco do resultado, o que não ocorreu no presente caso. A tentativa de imputar essa modalidade de dolo ao investigado revela um evidente equívoco jurídico que deve ser prontamente corrigido.
Diante dos vícios processuais e da ausência de elementos concretos que justifiquem a submissão de Cristiano Roratto ao Tribunal do Júri, a defesa requer:
O imediato reconhecimento da incompetência do Tribunal do Júri, determinando a remessa dos autos à vara criminal competente, visto que não há qualquer justificativa legal para o deslocamento da competência;
A reabertura do inquérito policial, com a realização das diligências pendentes e a oitiva de testemunhas fundamentais para a elucidação do caso;
A responsabilização dos verdadeiros culpados, garantindo que a justiça seja feita com base em provas e na verdade real dos fatos.
A defesa de Cristiano Atelier Roratto reafirma sua confiança no sistema de justiça e na correta aplicação do direito, esperando que as instâncias competentes corrijam as falhas da investigação e restabeleçam a verdade dos fatos."