*Professor da Universidade Colúmbia, em Nova York, onde dirige o BRICLab (Centro de Estudos sobre os BRICS)
Armas, recursos naturais, produção tecnoindustrial, influência da cultura. Critérios tradicionalmente elencados para estabelecer se um país tem mais ou menos poder. Desponta, no entanto, outro determinante fator: uma nova "Era do Talento".
Klaus Schwab, fundador do Fórum de Davos, identifica no "talentismo" o sucessor do capitalismo. Imaginação e capacidade de inovar - não armas, recursos naturais ou capital - seriam os vetores da que pode ser chamada "Era da Adaptação".
Nessa linha, a educação também seria um dos grandes divisores entre o dinamismo da Ásia e o resto do mundo em desenvolvimento. De acordo com o ranking Times Higher Education de 2015, das cem melhores universidades dos BRICS e economias emergentes, 74 estão na Ásia (28 na China e 11 na Índia) e apenas 9 na América Latina (4 no Brasil).
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Numa visita que fez a Seul no ano passado, o presidente do Banco Mundial perguntou à presidente sul-coreana qual deveria ser a prioridade estratégica de seu país para as próximas décadas. O chefe da agência multilateral espantou-se com a resposta: transformar radicalmente as estruturas de educação do país de modo a prepará-lo para os desafios da inovação e da economia criativa. Nesses novos paradigmas, a educação tem de interagir com ambiente pró-mercado, amplo acesso a capital de risco e valorização do empreendedor.
A disputa vai além do conhecimento e se dá no âmbito de "ecossistemas institucionais" mais ou menos aptos a prover inovação - e, portanto, prosperidade e poder. São importantes lições para candidatos a "pátria educadora". Nesse contexto, a inovação é cada vez mais determinante. E inovação é algo produzido por elites. Modos de pensar e agir que opõem "Norte/Sul", "mercado interno/externo", "empresas ou universidades públicas/privadas" e "manutenção/transformação de empregos" tornam sociedades reféns do imobilismo. Isso está bem argumentado no indispensável livro Por que as Nações Fracassam, de Daron Acemoglu e James Robinson (Elsevier, 2012).
Elites inovadoras levam seus países à combinação de "quatro elementos constitutivos" de um cenário competitivo: capital, conhecimento, empreendedorismo e ambientes de negócios conducentes à inovação. O insumo mais determinante da inovação é o capital humano de alta qualidade - o escasso recurso chamado talento. A grande corrida global deste século nada mais é do que uma competição entre elites. E, claro, não é recente a percepção de que range uma guerra global por talento. Este, contudo, era tido como sinônimo de vocação. Cabia desenvolver aptidões naturais ou nichos. Idealizávamos indivíduos "especialistas", companhias com "core business", países com "vantagens comparativas".
Em 2008, Malcolm Gladwell popularizou em Outliers, seu best-seller de alta vulgarização sobre o DNA do sucesso, a "regra das 10 mil horas". O talento emergiria da devoção de tal estoque de tempo a atividades tão distintas como tocar violoncelo ou programar computadores. Quanto mais cedo alguém começasse, melhor. Dessa disciplina surgiram Yo-Yo Ma e Bill Gates. A reglobalização prenuncia a pós-especialização. Há sete anos, computação em nuvem, tablets e seu ecossistema de aplicativos eram incipientes. Hoje permitem um atalho da história. É possível compactar as 10 mil horas. Novas tecnologias catalisam talento.
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Assim, pessoas, empresas e nações têm de ser multifuncionais e complexas. Engenheiros que escrevem bem. Agronegócio preocupado com design. Países produtores de petróleo transformando-se em hubs de entretenimento. Já existem métricas para delinear essa nova Era do Talento. Harvard elaborou um Atlas de Complexidade Econômica. Não importa o número de horas-aula a que foi exposto determinado aluno, mas o que consegue fazer pragmaticamente com o que aprendeu. É, portanto, umbilical a relação entre atitude empreendedora e talento no êxito de empresas e nações.
Estatismo, baixa conexão a mercados globais, predileção de jovens por concursos públicos e a mentalidade vigente na maioria das universidades brasileiras de não "submeter-se à lógica do mercado" são inibidores de talento. Surge assim um duplo desafio. Se falamos em parâmetros além das 10 mil horas, que dizer dos que, no início da idade adulta, sequer têm mil horas de foco em aptidões? Sem o potencial do talento, os brasileiros terão pouca utilidade à economia do conhecimento. Serão contudo "úteis", e durante bastante tempo, ao tráfico de drogas, à pirataria e às manifestações mais virulentas do lumpesinato urbano.
E, na ponta mais sofisticada, o Brasil tem de alimentar sua elite de talentos para que ela própria não seja crescentemente marginalizada da redefinição dos rumos globais. Essa disputa vai além de conhecimento e capital - trava-se no âmbito de "ecossistemas institucionais" mais ou menos aptos a prover inovação - e, portanto, prosperidade e poder.
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