Acuado pela divulgação do inquérito no qual é suspeito de corrupção, organização criminosa e obstrução à Justiça, o presidente Michel Temer decidiu confrontar seus algozes. Em um pronunciamento à imprensa convocado às pressas na tarde deste sábado, Temer desqualificou as gravações de uma conversa mantida com o empresário Joesley Batista, classificada por ele como "fraudulenta", e anunciou que está pedindo ao Supremo Tribunal Federal a suspensão do inquérito até que os áudios sejam auditados por perito oficial. Ele também reafirmou que não pretende renunciar ao cargo.
– A divulgação dos áudios tenta macular não só a reputação moral do presidente da República e invalidar nosso país, mas eu digo com toda a certeza: o Brasil não sairá dos trilhos. E eu continuarei à frente do governo – assegurou.
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No discurso de 12 minutos e que começou com quase uma hora de atraso, o presidente disse que "a gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos e incluída no inquérito sem a adequada verificação".
– Houve grande planejamento para forjar esse grampo enquanto criminosos fugiam do Brasil – atacou o presidente.
Temer chamou Joesley de bandido, disse que ele cometeu o "crime perfeito" e hoje "anda livre pelas ruas de Nova York". O presidente citou denúncias de que o empresário teria comprado US$ 1 bilhão e vendido ações do grupo JBS para lucrar com a variação cambial e especular na Bolsa de Valores com a repercussão financeira da crise política. De acordo com Temer, as operações do grupo JBS estão sendo investigadas pela Comissão de Valores Mobiliários.
– O autor do grampo está livre e solto, passeando pelas ruas de Nova York. Não passou nenhum dia na cadeia, não foi preso, não foi julgado nem punido. E pelo visto não será.
A reação de Temer foi uma ação idealizada pelo advogado criminalista Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que coordena sua defesa. O objetivo é reduzir a pressão sobre o presidente. Seus conselheiros entendem que a condição de investigado é que mais o fragiliza politicamente. Foi o segundo pronunciamento do Temer em três dias.
Na quinta-feira (18), ele já havia se dirigido à nação para afirmar com veemência que não iria renunciar e sabia da correção dos seus atos. Sua situação, contudo, piorou desde então. Segundo a PGR, Temer agiu para frear a Lava-Jato, recebeu pelo menos R$ 30 milhões em propina e integra um uma organização criminosa que promove "interações diversas com agendes econômicos, com o objetivo de obter vantagens ilícitas, por meio da prática de crimes, sobretudo corrupção".
Desta vez, Temer procurou rebater quase todas as acusações. Disse que sempre costuma receber pessoas tarde da noite no Palácio do Jaburu, que "não há crime em ouvir reclamações" e que se livrou do interlocutor indicando outra pessoa para "ouvir suas lamúrias".
– Meu governo tem rumo. Estamos acabando com os velhos tempos das facilidades aos oportunistas.
O presidente também disse que há incoerências entre o áudio e os depoimentos de Joesley e do executivo da JBS Ricardo Saud. Ressaltou que nenhuma das reivindicações do empresário teria sido atendida e que não existiu o suposto aval para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
– O Cade não decidiu a questão solicitada por ele. O governo não atendeu a seus pedidos. Não se sustenta a acusação pífia de corrupção passiva. Não foi só o Cade. O BNDES mudou no meu governo. A presidente Maria Silvia moralizou o BNDES, botou ordem na casa.
Também reafirmou que não reagiu às confissões de Joesley sobre o suborno a um procurador da República e o aliciamento de dois juízes federais porque não acreditava no relato do empresário.
– É um conhecido falastrão, exagerado – minimizou Temer.
O presidente passou a manhã reunido no Palácio do Alvorada, discutindo a estratégia de contra-ataque. Assessores e aliados vibraram com uma reportagem feita pela Folha de S. Paulo, segundo a qual uma perícia encomendada pelo jornal atesta que a gravação da conversa com Joesley havia sido editada. Eles também se apegam à afirmação da própria PGR, que diz não ter submetido a gravação a perícia antes de anexá-la ao inquérito. Desde o final da manhã, as reportagens eram compartilhadas por assessores nas redes sociais e enviadas a jornalistas que cobrem a rotina do Planalto.
Desde a noite de sexta-feira (19), ministros próximos a Temer vinham incentivando uma reação. Além de se contrapor aos editorais de veículos de comunicação que passaram pedir a renúncia do presidente, eles diziam que Temer precisava emitir sinais que tem condições de superar a grave crise política.
Para tanto, eles consideram fundamental manter uma base coesa no Congresso. Ainda neste sábado, contudo, o Planalto sofreu a primeira defecção. O PSB, que tem a sexta maior bancada da Câmara, com 35 deputados, e detém o Ministério das Minas e Energia, decidiu migrar para a oposição e passou a defender a renúncia.
PSDB e DEM, principais partidos de sustentação a Temer, porém, decidiram esperar até segunda-feira para avaliar melhor o panorama político e os desdobramentos da crise. O Planalto trabalha para garantir a fidelidade das duas legendas. Uma eventual saída do DEM, por exemplo, poderia levar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a aceitar um dos oito pedidos de impeachment protocolados contra Temer.
Para tentar evitar um êxodo maior, o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, voltou às pressas a Brasília ainda na tarde deste sábado. Principal articulador do Planalto, Padilha e havia embarcado para Porto Alegre no dia anterior e agora irá comandar a tentativa de recomposição da base.