A atual legislatura da Câmara de Caxias do Sul, em pouco mais de dois anos, já tem pelo menos 10 representações protocoladas contra vereadores por questões disciplinares. As duas mais recentes envolvem Sandro Fantinel (sem partido) e Lucas Caregnato (PT), que são alvos de processo de cassação por quebra de decoro parlamentar. Além desses casos, são oito representações na Comissão de Ética contra parlamentares entre 2021 e 2022, os dois primeiros anos de mandato dos vereadores.
O processo contra Fantinel foi aberto após falas preconceituosas contra baianos no plenário da Câmara, quando sugeriu aos produtores da Serra que "não contratem mais aquela gente lá de cima". Já Caregnato foi acusado por alguns colegas da Câmara de violência verbal contra a chefe de gabinete da prefeitura, Grégora Fortuna dos Passos, após tumulto em audiência pública da Maesa, quando foi abordado por um cargo de comissão (CC) da prefeitura após confusão na porta do auditório e cobrou providências, de forma exaltada, do secretário de Gestão e Finanças, Cristiano Becker, e de Grégora.
Além desses dois casos, há situações que remetem a ofensas e acusações pessoais entre os parlamentares, como foram os casos envolvendo o ex-vereador (agora deputado federal) Maurício Marcon (Podemos), chamado de "racista, machista e homofóbico" pela vereadora Estela Balardin (PT). Além disso, o vereador Alexandre Bortoluz (PP) foi alvo de processo disciplinar por circular armado nas dependências do Legislativo.
Diante desse cenário de ataques pessoais, falas preconceituosas e desrespeito às normas da Câmara, Guiomar Chies — formado em Direito, que já atuou como diretor-geral da Casa (1994, 1995, 1997, 2000, 2001 e 2002) e assessor de imprensa (1990, 1992, 1993, 1996 e 1999) — afirma não se recordar de tantas ações disciplinares no passado.
— Esses constantes pedidos de cassação e representação, penso que sejam um exagero em relação à atuação do poder Legislativo. Respeitando aqueles que tomaram iniciativa (de protocolar os pedidos), penso que pode se tornar uma coisa muito fácil de se encaminhar. Havia debates acalorados, mas não com agressões em nível pessoal ou entre as partes, de ofender particularmente a pessoa do vereador. As discussões acirradas eram em cima de ideias sobre uma assunto. Hoje, a sociedade está muito mais acalorada em termos de posições políticas, e talvez seja isso um motivo para um enfrentamento mais direto e pessoal do que em cima de projetos — define Chies.
O vereador Renato Oliveira (PCdoB), que está na sua sexta legislatura — foi eleito pela primeira vez em 2000 — segue a mesma linha de raciocínio. O parlamentar lembra de sessões com os ânimos acirrados, mas que não resultaram em processos disciplinares.
— Lembro de sessões bem acaloradas na Câmara, mas (os casos) não chegavam à Comissão de Ética, muitos poucos chegaram. É uma questão de prioridade. Lembro de situações entre dois vereadores, o Déo Gomes (PCdoB) e o Walmor Vanazzi (PPB, hoje Progressistas), que tinham bate-bocas acirrados na tribuna, e depois da sessão acabava um acendendo o cigarro do outro.
Além disso, Renato avalia que os vereadores precisam focar mais no trabalho do dia a dia, pois "há muito o que se discutir" na Câmara.
— Precisamos focar no que a comunidade precisa. Cada um tem seu perfil, sua ideologia, respeito a posição de todos e não quero dizer o que cada um deve fazer ou não. Mas vejo que, como fomos eleitos, temos que trabalhar e pensar para todo mundo. Tem que manter o embate no campo das ideias, e no campo político, deixar de fora o pessoal. O que acontece agora não deixa também de ser um aprendizado. Podemos copiar o que deu certo, e o que não deu não podemos repetir — opina.
Processos disciplinares na atual legislatura
No ano de 2021
- Requerimento externo x Alexandre Bortoluz (PP): Processo disciplinar com pedido de censura escrita em março de 2021 sob acusação de o vereador circular armado nas dependências do Legislativo. Na Comissão de Ética, houve empate em 2 a 2 entre a recomendação de arquivamento com censura escrita e outra simplesmente pelo arquivamento. A recomendação final da comissão foi só pelo arquivamento, que resultou acolhida pelo plenário, em julho do mesmo ano, por 15 votos a 5.
- Maurício Scalco (Novo) x Estela Balardin (PT): Processo disciplinar em abril de 2021 sob acusação de propagação de fake news. Estela divulgou card sobre Scalco integrar "bancada do negacionismo" dizendo que ele havia votado contra pedido de informações à prefeitura sobre equipamento de proteção individual. Recomendação da Comissão. Parecer do relator Adriano Bressan apontou censura por escrito por "imprudência e falta de atenção" com a imagem da Câmara. Processo arquivado em plenário por 14 votos a 6.
- Requerimento externo x Wagner Petrini (PSB): Pedido de abertura de processo em junho de 2021 sob acusação de participação de Petrini em festa irregular diante de decreto de distanciamento vigente, que resultou em interdição de casa noturna no bairro Cidade Nova. Como o requerimento era de autoria externa à Câmara, houve votação de admissibilidade, que foi rejeitada pelo plenário, e o processo não chegou a ser instaurado.
- Mauricio Marcon (então no Novo) x Estela Balardin (PT): Processo disciplinar por Estela ter chamado Marcon de "racista, machista e homofóbico" na sessão de 30 de julho de 2021. Recomendação da Comissão de Ética foi de suspensão por 30 dias. Foi a recomendação mais severa dada pela Comissão de Ética na atual legislatura. Em novembro do mesmo ano, plenário rejeitou parecer por 12 votos a 8.
No ano de 2022
- Denise Pessôa (PT) x Mauricio Marcon (Podemos): Processo disciplinar contra Marcon requerido em setembro de 2022, embasado em relatório de uma comissão sindicante interna que apurou indícios de eventual falta funcional cometida por um assessor CC6 lotado no gabinete de Marcon. O então vereador disse que autorizou o assessor a trabalhar de casa, regime sem previsão legal na Câmara. Comissão de Ética recomendou advertência escrita em dezembro de 2022. Parecer não foi ao plenário porque, quando o caso é examinado pela Comissão de Ética, recomendação de advertência não vai ao plenário.
Decorrente da última denúncia contra Mauricio Marcon no episódio do assessor lotado em seu gabinete, o vereador protocolou dois requerimentos na Comissão de Ética para instauração de processo disciplinar. E houve um terceiro, por fundamentação diversa, contra a então presidente da Câmara, Denise Pessôa.
- Contra Zé Dambrós (PSB): Marcon pediu investigação de conduta do parlamentar a partir de denúncia de que assessor de Dambrós cumpriria outras funções em horário de expediente. Comissão de Ética recomendou pelo arquivamento, com aprovação do plenário por 15 votos a 4.
- Contra Lucas Caregnato (PT): sob argumento de não ter sido acionada a Comissão de Ética, que era presidida por Lucas, para avaliar denúncia contra o vereador Zé Dambrós. Comissão recomendou arquivamento, que foi atendido por unanimidade pelo plenário.
- Contra Denise Pessôa (PT): de acordo com denúncia, Denise teria chamado Marcon de "criminoso e mau caráter" na sessão de 25 de outubro de 2022. A reportagem buscou informações sobre o desfecho do caso com o vereador Lucas Caregnato (PT), presidente da Comissão de Ética à época e com o vereador Juliano Valim (PSD), que não souberam responder.
No ano de 2023
- Requerimento externo x Sandro Fantinel (sem partido): Três pedidos de cassação foram protocolados contra Fantinel após falas xenofóbicas contra baianos no plenário da Câmara. O processo de cassação assinado pelo ex-vice-prefeito Ricardo Fabris foi aberto em 2 de março e se encontra na fase final, com a elaboração do relatório por parte da Comissão Processante. Caso tem até o dia 1º de junho para ser votado no plenário.
- Requerimento externo x Lucas Caregnato (PT): Caregnato é alvo de processo de cassação após tumulto em audiência pública sobre o projeto de ocupação da Maesa, em 25 de abril. Ele foi acusado por colegas da Câmara por violência verbal contra a chefe de gabinete da prefeitura, Grégora Fortuna dos Passos. O processo, protocolado pelo eleitor Lucas Ribeiro Suzin, foi aberto em 2 de maio, e a Comissão Processante tem cinco dias desde então para notificar o vereador, o que ainda não ocorreu.