Ainda que o cenário da educação brasileira não se desenhe animador, diariamente milhares de profissionais insistem em adentrar salas de aula exercendo papel multisetorial. Se desdobram em pais, mães, médicos, enfermeiros, psicólogos ou simplesmente... professores. Talvez a falta de infraestrutura de escolas públicas e a desvalorização salarial sejam os principais fatores que causam a redução expressiva na formação de novos docentes _ estima-se que o Brasil amargue a carência de 32 mil professores com formação específica, segundo auditoria do Tribunal de Contas da União. Mas há esperança: mestres de Caxias do Sul mostram que é possível criar mais soluções do que problemas dentro de sala de aula.
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- Eu não gosto dessa vitimização que fazem com o professor. Tudo bem que vamos do céu ao inferno em uma única aula, mas não é assim em toda a profissão? Hoje não falta merenda, temos laboratórios de informática, material didático - avalia o docente de história Fernando Meneghat, 33 anos.
Meneghat é um dos tantos profissionais que não desistem do ensino público. Encara diariamente a tarefa de educar 300 alunos em pontos bem distintos: atende a Escola Estadual Irmão Guerini, em Ana Rech, e a Escola Municipal Machado de Assis, no Reolon. Leciona há sete anos e, como todo docente, tem na ponta da língua as dificuldades que encara. Porém, aposta na determinação e no planejamento para apresentar propostas diferentes em sala de aula.
Exemplos dessa iniciativa não faltam. No Reolon, por exemplo, envolveu os estudantes em um projeto que identificou a realidade dos usuários do Bolsa-Família do bairro. Descobriu-se que grande parte dos beneficiados são mulheres que sustentam a família sem auxílio do marido, entre outras informações significativas. O resultado da pesquisa foi impresso em um banner. O custo da impressão, inviável para a escola bancar, foi pago via parceria firmada pelo professor com uma empresa particular. Outro exemplo: para apresentar o resultado de um documentário que resgata a história do bairro, chamado Reolon por Nós Mesmos, também produzido por Meneghat, os alunos se deslocaram nos carros dos professores.
- Procurei a profissão que mais me dava a possibilidade de transformação no mundo. Vi na educação a minha chance. Acredito que o protagonismo juvenil possa ser a saída para diversos problemas de infraestrutura - aposta Meneghat.
De que maneira?
- Se há um problema de água parada na escola, por exemplo, porque não trabalhamos em sala de aula? Detectamos que os alunos achavam que havia pouca lixeira aqui. Então, vamos construir novas lixeiras de material reciclado? O que nos impede? -desafia.
Drible na falta de estrutura
Problemas de infraestrutura em colégios da cidade não faltam. A Escola Estadual de Ensino Fundamental Dante Marcucci, no bairro Cinquentenário, é um exemplo emblemático. Com toda pompa, uma cerimônia de inauguração marcou a entrega oficial de mais de 20 computadores para a sala de informática em 2012. Já se passaram três anos, e nenhum dos equipamentos foi ligado uma vez sequer. O motivo? A rede elétrica não suportaria a demanda, e poderia até causar incêndio, colocando em risco a comunidade escolar. A diretora Liciane Vaccari Boz afirma que a instituição pede a reforma para o Estado há mais de dez anos, mas não há expectativa para solucionar o defeito estrutural.
Por isso, quando a jovem professora Thamiris da Silva, 27 anos, quer mostrar algo na internet para os alunos, não se importa em usar o próprio notebook. Os alunos até manuseiam o equipamento. Este é apenas um dos truques que ela aplica para que os mais de 140 alunos que atende diariamente tenham mais qualidade no aprendizado.
- Diferente do que se possa pensar, os alunos querem aprender, querem coisas diferentes. E é nosso papel responder a isso - defende Thamiris, que leciona história e também atua com turma de 4º ano.
O pátio alagado, que impede o recreio fora de sala de aula dos 280 estudantes, ou o bebedouro estragado são facilmente driblados por profissionais com o mesmo amor pela profissão que a jovem. Os mais de quatro meses sem merendeira também se solucionaram: as professoras iam para a cozinha e descascavam frutas, separavam biscoitos, preparavam cachorro-quente. Tudo para não deixar os pequenos de barriga vazia.
- Se vamos a algum passeio, o professor passa no mercado e compra lanche, água, suco. O aluno não precisa do papel colorido, do brinquedo novo. Ele precisa mesmo de uma parceria forte com o professor e da participação da família dentro da escola -avalia.