
Diante de uma plateia predominantemente masculina, formada por cerca de 400 pessoas, a mulher sobe ao palco para apresentar o evento que ela mesma está promovendo. A iniciativa, uma estratégia de marketing extremamente eficiente, tem a função de projetar o negócio, justificando o investimento na casa dos seis dígitos para agradar à plateia.
Eis que, antes de falar, ela se desculpa por segurar muitas folhas. Conta que ouviu recentemente uma espécie de “brincadeira” feita por um colega, sobre o fato de precisar afastar o braço para conseguir ler as frases. Então, decidiu preparar a apresentação em letras grandes na folha, aumentando consideravelmente a quantidade de papel.
Talvez eu tenha sido uma das poucas pessoas a ficar incomodada com o fato de uma mulher extremamente bem-sucedida precisar usar a crítica de um homem para justificar as próprias ações diante de centenas de pessoas num encontro bancado por ela, que já tinha uma trajetória profissional reconhecida. “É uma mulher brilhante”, explicou-me logo depois um amigo, fazendo com que eu ficasse ainda mais reflexiva.
Não fazia muitos dias que tinha participado de um clube de escrita sobre procedimentos e processos criativos com minha musa literária Aline Bei e, por vir do teatro, ela versou bastante sobre a relação do corpo com a escrita. Estar em um palco, pelo motivo que for, expõe a vulnerabilidade de quem sobe nele — o modo como cada um lida com isso é o que faz toda a diferença. Aline evoca o conhecimento do espaço corporal e o entendimento das limitações como uma forma de compreender melhor os próprios processos mentais. Para ela, o teatro é a “poesia fisicalizada” e não me lembro de ter ouvido explicação mais bonita para essa comunhão. Num ambiente corporativo, o mundo parece caminhar no sentido oposto — ao menos para quem não aplica as pesquisas de Brené Brown. Mas talvez nem seja preciso ir tão longe. O poeta Sergio Vaz já escreveu que “quem não lê a si mesmo, escreve sem respirar o mundo”.
Essa pode ser a chave: não dá para ler o próprio mundo a partir da escrita alheia. Mesmo que algumas pessoas sejam mais generosas com os outros do que consigo. Por outro lado, há aqueles que fazem questão de criticar, incomodar, opinar — especialmente quando não foram chamados para isso. O único antídoto possível é a autoconsciência — e isso não tem nada a ver com ego inflado. Dá mais trabalho e mais incomodação exercitar a própria leitura de mundo. Conhecer a si mesmo, com imperfeições e acertos, é um processo libertador.
Paradoxalmente, as interações poéticas e os atravessamentos são sempre bem-vindos. Eles só precisam ter a mesma dimensão da importância das pessoas na nossa vida — e nunca maior do que a da gente mesmo.