“Afinal, quantos sonhos você já sonhou?”
Pensava sobre a premissa do novo livro de Chimamanda Ngozi Adichie quando fui atravessada pela notícia da morte da pesquisadora e integrante da Academia Brasileira de Letras Heloísa Teixeira, na sexta-feira (28). Percebi que, de alguma maneira, esse entrelaçamento parecia bem mais do que uma coincidência.
Em A Contagem dos Sonhos, romance lançado neste mês e já incensado, a escritora nigeriana narra a existência de quatro mulheres, de diferentes idades, vivências e classes sociais, interligadas por laços de afeto. A obra versa sobre escolhas que fazemos ou deixamos de fazer, discute relacionamentos diversos e busca entender o coração humano. O que pegou, para mim, foi a busca pela felicidade, porque isso é uma constante na vida de todo mundo. Só conheci uma criaturinha que versava não ter vocação para ser feliz — mas isso foi há tempos, porque agora declara estar felicíssimo. Sou uma lírica e, apesar de todas as desconfianças, suspeito que tal felicidade exista.
Ouvi, dia desses, em um podcast que não lembro o nome, uma conversa sobre esse imperativo para ser feliz, que vem desde cedo. Uma mãe dizia “meus filhos podem fazer o que quiserem, as escolhas que desejarem, desde que sejam felizes”. E cadê essa fórmula? Não é mais fácil escolher ser professora, astronauta, bombeiro, bailarina, piloto de avião, engenheira? Como faz para ser feliz?
Essa carga simbólica é bonita e recheada de afeto, eu sei, mas também nos joga num universo desconhecido e de autorresponsabilização. A gente vai tentando escolher caminhos que nos conduzam a essa felicidade — num exercício de tentativa e erro. Às vezes dá certinho, às vezes quebra-se a cara. Pela dificuldade de concluir a missão materna, acho que a tentativa quase sempre já nos coloca na perspectiva adequada. Uma ideia de viver de verdade, que repito bastante e também tento praticar.
Chimamanda, no novo romance, traça relações e faz pensar sobre como às vezes as pessoas escolhem mostrar ou ocultar verdades para amar e serem amadas — será esse o desejo universal?
Heloísa já tinha mais de 80 anos quando decidiu deixar de lado o sobrenome do marido, de quem se separou nos anos 1960, e pelo qual era conhecida — Buarque de Hollanda. Definida por Luiz Ruffato como “contemporânea da contemporaneidade”, tinha quase 80 quando decidiu fazer tatuagens com acontecimentos que pretendia eternizar, como o nascimento dos netos. Usou a pele como se fosse fragmentos de um diário de uma das importantes pensadoras do feminismo no Brasil, que queria levar autores da periferia à ABL — ela ocupava a cadeira 30, que havia sido de Nélida Piñon, e soube se antecipar às mudanças. Revelou, por meio de estudos, desafios, desejos e traumas femininos. Como Chimamanda, como outras que vieram antes.
Suspeito serem os atravessamentos poéticos que nos aproximam — de nós e das outras.