
Há poucos dias terminei Cem Dias entre o Céu e Mar, livro que ganhei de um amigo querido e que já tinha contado aqui. Ele me deu depois de eu dizer que não gostava do Amyr Klink, na possibilidade de mudar minha percepção sobre o navegador. Demorei para me animar e decidir me dedicar à leitura. Surpreendentemente, foi bem prazerosa.
Não tenho intimidade nenhuma com navegação, o mais perto que tinha chegado desse universo tinha sido em O Velho e o Mar e em Moby Dick — para não ficar só nas aventuras do capitão Jack Sparrow, lógico. Ainda assim, adorei as descrições sobre os perigos e desafios no oceano a bordo de um barquinho a remo, com comida desidratada e tanques de água potável.
Descobri que uma almofadinha para sentar pode prevenir assaduras e que criar uma rotina é fundamental para não enlouquecer. Descobri que tubarões nunca podem parar de nadar porque não têm bexiga nadatória — a estrutura que ajuda na flutuação —, o que os obriga a estar sempre em movimento. Deu até pena deles: o movimento é imprescindível na vida, mas é muito bom ter a oportunidade de parar, né?
Para resumir a história: acabei o livro com lágrimas nos olhos. Achei a travessia, especialmente a interna, bem comovente. Assim que terminei, escrevi para o Chico, para agradecer a ele por ter decidido ampliar minha perspectiva. Fiquei feliz por ter me permitido mudar a impressão que tenho de Amyr, ainda que circunstancialmente.
Fiquei pensando como isso é fundamental na vida: abrir espaço para o novo, se permitir confrontar certezas absolutas e, às vezes, dar um passo para trás. Ser convicta, mas não inflexível. Quando essa condução é feita por alguém que a gente gosta, fica até mais factível — mesmo que demore um pouco.
É até bonito ver um microuniverso de contenção absoluta, onde apenas o estritamente necessário aparece. Em um mundo de exageros e ostentações, o básico fica ainda mais interessante. Acho curiosíssima (e merecidíssima) a comoção em torno de Fernanda Torres a poucas semanas da cerimônia do Oscar. Não por conta do talento dela, mas do estilo low profile.
A jornalista Milly Lacombe viralizou dizendo que Fernanda, atualmente, é um sentimento (de volta por cima, de orgulho). Disse que ela também é um movimento: as roupas da atriz nas premiações e eventos de divulgação do filme, por exemplo, passam uma imagem de sensualidade e transgressão.
Uma transgressão contida. E não faltam análises sobre o jeito Fernanda de ser. Muitas evocam o fato dela ser trabalhadora, focar no trabalho com seriedade, não ter afetação, levar uma vida aparentemente normal, ser discreta em relação ao próprio dia a dia... Isso não é muito surreal? A pessoa tornar-se referência por, aparentemente, ser quem é, quem construiu para ser ao longo dos anos? Virou um modelo por ser normal, por viver como acredita, por não precisar se jogar confetes...
Porque, se for para jogar confetes, que seja na Viviane Araújo. Ando magnetizada por ela, rainha das rainhas de bateria, maravilhosa aos 50 anos e que completa 30 anos de Sapucaí. Sim, adoro abrir espaço para o controverso, admirar habilidades diversas e transitar entre universos distintos. Bem convicta, mas não inflexível.