Vejo um cartaz colado na porta do banheiro feminino instruindo para manter o espaço limpo e não jogar papel no vaso. Fico pensando por que é necessário manter um aviso tão elementar em um ambiente, teoricamente, civilizado. Aí lembro que o óbvio também precisa ser dito, em qualquer contexto.
Penso em como o trabalho é um elemento constitutivo da identidade da Serra, um dos pilares que forjaram o imaginário da região há quase 150 anos, e feri-lo tem uma carga simbólica tão forte quanto a dureza da realidade. Nem precisa ter feito uma dissertação de mestrado em Cultura e Regionalidade para saber disso. Falar que o trabalho precisa ser digno é como colar cartaz na porta do banheiro para avisar que puxar a descarga e colocar papel no lixo são necessários: todo mundo deveria saber disso. Mas a gente vive sendo surpreendido.
O que não surpreende são os já comuns pedidos de desculpas clichês depois de polêmicas que viralizam — seja o discurso do coach Red Pill, seja do vereador caxiense. A tal ideia da fala distorcida aparece sempre, lado a lado com a de que, em outro contexto, ela seria normalizada. Fico pensando qual circunstância seria essa.
Aceitar as próprias falhas e expô-las de forma genuína e convincente — apesar de todo esforço da pesquisadora norte-americana Brené Brown para mostrar o poder da vulnerabilidade — é para poucos. É difícil fazer isso, também, no momento certo. Às vezes, parece até simples: de quase cancelado a queridinho das crianças e senhoras, o BBB caxiense surpreendeu os incrédulos e conseguiu.
Um amigo recomenda que eu assista à série Fauda, palavra árabe para caos. A trama, na quarta temporada, acompanha os dois lados do conflito entre Palestina e Israel e provoca estranhamento/entendimento entre ambos. Esse caso raro de sucesso é baseado na experiência pessoal dos criadores, que cresceram nessa região conflagrada e não quiseram esconder o horror: preferiram revelar o caos a não fazê-lo.
Pondero se informação e comunicação clara, necessidade de conhecer o contexto, ampliação do campo metafórico e literal de visão são embriões de uma solução. O tal problematizar. Entender a diversidade, acolher as diferenças com respeito e entender que todo mundo precisa se responsabilizar pelo que faz ou diz.
Volto ao cartaz, uso-o como exemplo banal e repito, na esperança de que um dia seja assimilado até por quem parece viver em outro contexto. O banheiro até costuma ficar limpinho, mas é preciso manter o aviso na porta. Nem que seja por precaução.