Voltar a sonhar é diferente de sonhar de novo. Sonhar de novo é meio automático, como quem refaz uma receita no susto, com os mesmos ingredientes, esperando que agora dê certo. Voltar a sonhar, não. É coisa trabalhada, remexida, igual massa de pão sovada com força e paciência. É como se a gente precisasse desenterrar a farinha do fundo do armário, limpar a bancada da alma e dizer: Bora, minha filha. Já chorou, já quebrou, agora vamos fazer render.
Outro dia, lavando louça e ouvindo uma playlist cheia de lembrança, me peguei pensando nisso. Lembrei da frase da Rupi Kaur: eu costumava sonhar em ser tão forte que nada pudesse me abalar. Agora, sou. E tudo que sonho é amolecer. Pensei: mulher que é mãe, que trabalha, que tenta manter a casa em pé e ainda sorri com os olhos, tem dessas fases. A gente endurece pra não cair, e depois aprende que viver mesmo é quando a gente pode, enfim, descansar o peito.
Voltar a sonhar, pra mim, veio num intervalo de almoço atrasado, com uma criança no colo e a panela de pressão chiando. Veio quando percebi que estava deixando meus sonhos em banho-maria, enquanto virava o mundo pra dar conta dos outros. E olha, não tô reclamando, não. A gente ama com força, cuida com gosto. Mas tem hora que o corpo senta antes da alma. E é nesse silêncio que a coragem aparece.
Cora Coralina dizia que coragem é ir atrás do sonho mesmo quando todo mundo diz que é impossível. E olha que ela sabia das coisas. Mulher goiana, daquelas que não se abalam com vento fraco. Que escreve como quem planta. Eu fico imaginando ela mexendo um tacho de doce e pensando poesia. Talvez seja isso que a gente precise: adoçar a vida com os próprios versos, mesmo que ninguém leia.
No Sul, Cecília Meireles já falava do não-caminho, do jeito livre de existir. A gente que é do marketing vive de plano, de funil, de estratégia. Mas a vida real é mais curva que planilha. A gente desaprende o script pra aprender o improviso. O sonho, quando volta, não volta do mesmo jeito — volta mais maduro, mais paciente, com cheiro de café passado e esperança quente.
E sabe, minha mãe também sonhou pra que eu pudesse sonhar. Isso Rupi Kaur escreveu com alma de filha. A gente carrega sonho antigo, reciclado, herdado, remendado. Sonho que muda de forma, mas nunca de essência.
Então se você, mulher, tá aí cansada, mas com aquele fiozinho de vontade acendendo de novo, escuta: voltar a sonhar é revolução silenciosa. É dizer pra si mesma, com voz mansa e firme: Eu mereço, sim. E vai, mesmo com medo, com sono, com roupa pra passar. Porque entre o que fomos e o que seremos, há o caminho. E o caminho é nosso.