Encontrei uma relíquia. Dentro de um livro adquirido no sebo há bastante tempo, esquecido na estante e reaberto em um dia qualquer, estava um ingresso de cinema. A situação em si não foi tão inesperada assim, já que ele provavelmente chegou a servir de marca-página em algum momento que nem recordo, mas os detalhes saltaram aos olhos o suficiente para chamarem a atenção: todas as informações do filme, como horário e data, estavam ainda lá.
Qualquer saudosista que deseje guardar um ingresso de cinema hoje em dia precisa recorrer a malabarismos. Muitos acabam falhando no processo, já que atualmente a impressão dos canhotos é feita com impressoras térmicas cujas informações gravadas se deterioram com o tempo. Apenas mais um reflexo da modernidade, embalada pela brevidade das coisas que vivemos: até mesmo algumas lembranças se tornaram temporárias.
Com cuidado, analisei o ingresso encontrado e me dei conta de que tinham se passado quase vinte anos. O filme era “O código Da Vinci”, em uma época que o cinema custava 7 reais para adultos. Quase inacreditável, não fosse a tinta gravada no papel, imune ao desmanche do tempo.
Se você me perguntar o que eu fiz no verão de 2002 ou na virada de 2014, não vou saber responder. Do tanto que se vive, pouca coisa a mente consegue registrar. A gente relembra mesmo quando pega um álbum de fotos na mão, uma carta recebida há muito tempo, um souvenir trazido de outro país por alguém que já foi importante. Nestes casos, a memória precisa do materialismo para existir – nem tudo o coração é capaz de guardar.
Sem querer despertar um ativismo pró-nostalgia em tempos líquidos, mas o findar da revelação de fotografias foi o estopim para a era dos passageirismos. Tem sido tudo tão breve, tão descartável, que no fim de alguns ciclos a gente até se questiona: o que é que fica, quando quase tudo desaparece com o tempo?
No fim das contas e das coisas, como em tudo, cabe a nós decidir se a vida será um ingresso de cinema com informações apagadas pelo tempo ou uma lembrança que resiste – nem sempre intacta, mas sempre presente.