Eu não sei no que você acredita, mas eu tenho certeza de que vou precisar de no mínimo mais umas dez vidas para reparar alguns erros que venho cometendo nesta. Quando eu paro e penso que não demonstro o que sinto pelo meu pai, por exemplo, a culpa vem logo em seguida. A nossa relação é próxima e ainda moramos juntos, e além disso sempre nos demos bem. Nem tanto, é claro, porque como bom pai e filho nós vivemos discutindo (por coisas bestas, óbvio). A relação libriano-aquariano também não ajuda muito, mas o lado bom é que dois minutos depois de qualquer discussão, eu e ele já estamos conversando normalmente. Ainda assim, sinto falta de fazer aquilo que não me custaria nada: deixar escancarado para que ele não tenha dúvida alguma do quanto o amo.
Acredito que o motivo pelo qual eu não faça isso declaradamente seja que eu cobre muito do meu pai. Eu insisto que ele tome água, mesmo que ele não me escute. Crio brigas só para pedir que ele se alimente um pouco melhor, e estou sempre enchendo o saco sobre coisas pequenas que acabam tirando ele do sério. Eu faço tudo isso porque, mesmo sendo absurdamente estranho, é o meu jeito de dizer: pai, quero que você ainda esteja aqui por muito tempo.
Eu acredito muito no meu pai. Sei de toda a sua estrada e da bagagem que ele foi acumulando durante a sua vida. E aí chegam mais alguns motivos para brigas bobas: eu não permito com que ele se acomode. O potencial do meu pai preencheria umas treze vidas, e ele é com certeza a pessoa mais enciclopédia que eu conheço _ é só perguntar que ele vai responder sem problemas. Eu acredito em tudo aquilo que o meu pai é capaz, e principalmente no modo multiplicador que o conhecimento dele pode (e deve) se expressar. Aqui, sinto que os papéis se invertem: eu cobro dele porque acredito.
Cresci dentro do carro do meu pai escutando CD's de todos os estilos. Além dos BeeGees e do ABBA, muitas das nossas andanças por aí foram ao som de músicas gaúchas. Eu acredito que o meu pai não saiba, mas uma das minhas melhores lembranças é daqueles dias em que ele ia jogar bola e eu ficava no carro escutando uma música chamada "Guri". Meu pai sempre cantava o refrão de maneira engraçada, e depois do jogo ele me comprava uma torrada muito boa cheia de maionese (mas isso a gente não contava para a minha mãe). Hoje eu sou escritor por causa dele, que acreditou nisso desde o meu primeiro livro. Meu pai é o meu maior divulgador, fala por aí que tem um filho escritor cheio de orgulho. E por mais que eu não diga isso todas as vezes que me ensina alguma coisa, saiba que eu acredito em você, pai.
Assim como eu acredito que você sempre soube que eu seria escritor. Afinal, a música que nós dois cantávamos lá atrás tem um trecho que até hoje é o meu favorito: "e se não for por escrito, eu nem me animo a dizer". Então está aqui, devidamente registrado (mas eu sei que hoje vou te olhar e reforçar isso tudo): pai, eu te amo. E eu acredito em você.