

Tinha me programado para escrever sobre esperas e outras trivialidades, porém têm vezes que a gente não pode esperar muito para falar sobre determinadas coisas que urgem. Andava por aí, ligeiramente entediado pelas redes sociais, quando vi uma publicação de um amor antigo. A foto era de uma poesia da indiana Rupi Kaur, uma escritora feminista que agradecia de modo singelo ao seu amor atual por ter sido responsável por transformar todos os amores anteriores em irrelevantes.
A frase me desconsertou. Mesmo que eu nem devesse ter olhado a publicação (Maria Rita já cantou que "tem gente que vai pra nunca mais"), tomei a dor porque sabia que era para mim, de um jeito ou de outro. Antes admirador da Rupi Kaur, um sentimento de revolta por sua frase cresceu sem que eu nem pudesse freá-lo. Para mim, nenhum relacionamento é descartável, absolutamente negável, quanto menos irrelevante.
Eu não sou irrelevante. Martelei a frase umas dez (mil) vezes para ver se o consciente abria mão e passava a acreditar. Talvez eu seja burro mesmo, e isso eu aceito. Quem sabe eu devesse bloquear todo e qualquer resquício de um passado que já chegou a ser o meu melhor presente e apenas esquecer por completo o que vivi. Mas... Pra quê? Tem quem acredite que isto seja realmente possível?
Ainda me importo com quem já amei. Ainda me importo com aquele leitor na fila de autógrafos que eu deveria ter dado um pouquinho mais de atenção. Ainda me importo com a senhora na rua espancada semana passada, quando não pude fazer nada. Ainda me importo com todos meus ex-colegas que tornaram minha vida escolar um inferno. Eu me importo porque, para mim, tudo tem motivo. Tudo tem um efeito. Aconteceu da maneira que deveria, e irrelevância é poço sujo de coração triste, armadilha que eu jamais pretendo cair. Irrelevante é não saber aceitar: foi bom, sim. E o presente não precisa carregar a função de extinguir o passado.
Dizem que ser escritor é assim mesmo. Às vezes a gente finge, diz que o texto é baseado em outra pessoa, nega a nossa dor com as palavras mais bonitas. Mas têm vezes que a gente é assim mesmo, cru. Ser escritor é precisar não se importar com o julgamento que a leitura possa fazer. Sim, fui traído e fui doído. Superei, segui em frente, mas sigo aqui. E me importo porque acho que uma das maiores qualidades do ser humano é olhar para trás e saber que mesmo as tristezas e finais bruscos tiveram algum valor. Desculpa, mas eu não sou irrelevante. E eu espero que nenhum próximo amor meu torne os anteriores descartáveis.
Para os leitores, grato pelo espaço do desabafo. Para os ex-amores, o meu mais sincero tudo de bom.