
Mil tradutores profissionais se reuniram para elencar as palavras mais difíceis de se traduzir no mundo. Eis que, em meio a tantas línguas, uma surpresa: em sétimo lugar no ranking, a palavra saudade. O dicionário até traz uma definição própria, porém é fato que não existe um consenso sobre o seu significado. Afinal, saudade é negócio particular.
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Ela é aquela tralha guardada na garagem que só se remexe quando se decide fazer uma limpa. Mas, no fim, acabamos deixando a tralha ali mesmo, abandonada por mais sabe-se lá quanto tempo, porque não conseguimos nos livrar, porque gostamos, porque nos fez bem algum dia, porque queremos de volta. Já cantou Djavan: "se eu não mato a saudade [...] a saudade mata a gente".
A saudade é um sentimento capaz de nos fazer sentir incapazes. Em demasia, ela nos torna reféns de um passado que não podemos esquecer. E, na maioria das vezes, não se pode resgatar nem isso, nem aquilo porque já passou. Ficou lá atrás, é coisa de ontem. Fez bem há alguns dias, mês passado, ano retrasado, e hoje faz mal por não estar mais aqui.
Saudade é chegar outubro e perceber que o ano passou rápido demais. É aquele anel feito de papel que vale muito mais do que qualquer aliança. É o beijo debaixo da chuva, é o táxi durante a madrugada, é a família que mora longe, o chocolate preferido. Saudade é esconde-esconde, pega-pega, polícia e ladrão. É acordar aos 15 desejando ter 18, é acordar aos 28 desejando ter 15.
Saudade é momento, sentimento, carência, acontecimento. É ter, ser, ter tido, ter sido. Saudade é ir, é voltar. É não ir e não voltar. Saudade é ela, é ele. É ela e ele, ela e ela, ele e ele. Saudade é o café para dois, é a fotografia revelada às pressas, é a carta escrita e não enviada. É o abraço que deixou de existir, é a cama que agora conforta só um. Saudade é andar de carro sem ninguém no banco do passageiro.
Saudade é tão perigosa quanto uma faixa de pedestres com o sinal aberto, tão arriscada quanto brincar com fogo, tão letal quanto veneno. Saudade é caneta sem corretivo. É ponto de exclamação e às vezes interrogação. É a falta de um travessão, de aspas. Saudade é parênteses.
Saudade é... Reticências.
Saudade não é. Saudades são.
Saudades são todos aqueles momentos que tornam este sentimento o mais plural de todos. São as coletâneas de fragmentos que não se pode colocar no lixo. Tudo fica lá, então, esquecido na garagem para que se revire vez que outra, quando a falta se fizer presente. Saudade é para sempre, não passa, não tem receita médica que traga remédio curador. Saudade pode ser muito, pode ser pouco.
Saudade pode ser uma vida toda.