
Rita Lee já bradou no refrão de um de seus rocks: “Toda mulher é meio Leila Diniz!”. Sabemos de cara que esse verso exalta uma faceta libertária e ousada atribuída pela cantora às mulheres, como um direito. E esse entendimento imediato também confirma que reconhecemos em Leila Diniz mais que um personagem histórico — um mito. Sua vida, interrompida aos 27 anos, em 1972, foi intensa e significativa o suficiente para abrir caminhos em seu tempo e inspirar, futuro adiante, infinitas lutas em prol do humano livre e pleno.
Essa ariana espontânea — de coragem e autenticidade às raias da inocência — completaria 80 anos no dia 25 de março. Como seria Leila aos 80? Que outros feitos teria acumulado desde os tempos de confronto da hipocrisia e da caretice da sociedade conservadora sob a ditadura militar? Ou será que a sina da atriz era mesmo ser cometa, naquela mítica pressa ariana — vide Ayrton Senna, Cazuza e Renato Russo – de quem prefere viver em fogo alto e não ter tempo para envelhecer? Só sabemos que ela riscou no céu trilhas luminosas, e cá estou no dever de louvá-la.
Nascida em Niterói, Leila, ainda adolescente, foi professora de crianças no maternal. Adorou a experiência, talvez por reconhecer nos pequenos a pureza de espírito que também a animava. Na célebre entrevista que deu ao jornal O Pasquim, em 1969, a já famosa atriz lembraria da pedagogia que praticava: “Na minha sala, eu aboli a mesa da professora, não existia, minha mesa era igual à deles, minhas coisas eram guardadas como as deles, eu mexia nas coisas deles tanto quanto eles mexiam nas minhas, não tinha problema”.
Na hora do recreio, as subversões continuavam: “A gente trocava lanche, eu levava Coca-cola e eles gostavam mais do que leite, e a gente trocava, eu fazia a maior zona. As mães, porém, não gostavam”. No começo da década de 1960, era pedir demais que esses métodos de uma professora fossem tolerados. Leila teve que ceder: “Eu deixei de ser professora por covardia porque eu tinha que brigar muito com os pais, e com os diretores do colégio”. O amor pelas crianças, contudo, seguia firme: “Gostaria de ter uns vinte filhos para fazer minha escolinha em casa”.
A franqueza na expressão — Sol e Mercúrio em Áries — tornou-se logo uma marca da atriz. A equipe do Pasquim, para ser fiel à fala da entrevistada, grafou asteriscos entre parênteses — havia a censura da ditadura — no lugar de cada um dos incontáveis palavrões de Leila. “O palavrão virou verdade em mim, e quando as coisas são verdade, as pessoas aceitam”, justificava.
Seu anseio por prazer e alegria devia ser efeito da posição de Vênus no sensorial Touro. Leila era natural, gostava de tudo que fosse autêntico, sem frescuras e disfarces. Trabalhar, por exemplo, deveria ser divertido, antes de tudo: “Eu não escolho por peça, autor, diretor ou papel. Escolho pela patota e pelo que eu gosto”.
Quanto à sensualidade, como mortificar o próprio corpo em nome de aparências? Em 1971, Leila virou notícia nacional ao posar grávida de oito meses, na praia, usando biquíni. Para as tradicionais famílias, foi um escândalo. Para ela, era só a alegria de uma gestação feliz, e pronto. Seu despudor sobre o sexo foi ainda mais polêmico. À galera do Pasquim, ela assumiu: “Você pode amar muito uma pessoa e ir para cama com outra. Isso já aconteceu comigo”.
Por conta da repercussão negativa da entrevista ao Pasquim, agentes da repressão foram à caça de Leila, que precisou fugir e se esconder por uns tempos. Em junho de 1972, já mãe de Janaína, fruto do casamento com o cineasta Ruy Guerra, Leila viajou à Austrália para participar de um festival. Na volta, o avião caiu na Índia, matando todos os passageiros. Mas quem pode matar uma chama cósmica de tal intensidade? Leila Diniz logo virou o que segue sendo aos 80: um impulso da natureza pela liberdade de ser e pelo êxtase de viver.