Que loucura é essa? O que se passa na cabeça dessa gente? Como se chegou a esse ponto? Todas as comuns indagações de perplexidade sobre o que desafia a razão costumam ser respondidas em qualquer mesa de bar com um famosíssimo clichê: “Freud explica!”. Este é, talvez, o grande clichê vindo do século 20, o século da psicanálise.
A partir dos estudos e teorizações do médico neurologista austríaco Sigmund Freud (1856-1939), as insanidades humanas teriam origem em potências ocultas do indivíduo, constituintes de um universo que o pesquisador batizou de inconsciente. Com o enorme impacto cultural dessa ideia, desatinos e desequilíbrios humanos deixaram de ser obra de demônios ou possessões e a loucura ganhou outra acepção. Pelas mãos de Freud, a sempre misteriosa alma humana recebeu o seu mais complexo mapa de exploração.
Freud era taurino com o ascendente em Escorpião. Esse eixo zodiacal pode ser simplificado como uma dinâmica entre a realidade física (Touro) e sua contrapartida emocional (Escorpião). Ou como uma tensão entre os instintos naturais e os mecanismos de sobrevivência no meio. No mapeamento da psique proposto por Freud, o ego seria a parte consciente, como a ponta visível de um gigantesco iceberg em que o inconsciente seria a porção submersa. E o escorpiano olhar de águia do pai da psicanálise quis desvendar os conteúdos desse reino oculto.
Em 1930, Freud publicou um ensaio chamado O Mal-estar na Civilização. Para se ajustar à sociedade, o homem precisaria reprimir muitos dos seus impulsos instintivos, como o da agressão, e um regressivo desejo de autodestruição chamado de pulsão de morte. Embora seja a condição para uma paz social, tal repressão, contudo, geraria um desconforto no indivíduo, daí o mal-estar do título do ensaio. Pior seria quando os instintos reprimidos fossem projetados para fora, contra os outros, legitimando opressões, violências e barbáries.
Agora imagine esse estado de conflito íntimo num mundo marcado pela exaltação da individualidade. Na ideologia do capital, a vontade pessoal é critério de sucesso. Querer é poder. O eu deve estar acima do nós. Eu, eu, eu. Mas quem disse que esse “eu” é senhor de si? E como viver em sociedade com milhões de outros diferentes “eus”? Haja insatisfação e haja impulso agressivo contra os demais. Foi assim que o século XX se tornou o que o historiador Eric Hobsbawm chamou de “era dos extremos”: nunca prosperamos tanto e também nunca destruímos tanto – somente na Segunda Guerra foram 50 milhões de mortos!
Em carta a outro gigante da ciência, o físico Albert Einstein, Freud dizia que a pulsão de morte, que estaria latente no inconsciente em tempos normais, poderia ser despertada em tempos críticos a ponto de sustentar uma “psicose de massa”. Pouco depois dessa carta, os judeus Freud e Einstein sentiram o peso do ódio coletivo orquestrado por Hitler. E ambos tiveram que deixar a Europa.
Em minha psicologia de botequim, fico a pensar nos egos ainda infantis que hoje se arvoram a querer impor aos demais sua vontade totalitária. Já vimos esse filme, e não terminou bem. Nunca termina. Ah, se pudessem os desatinados pelo medo e pelo ódio desvendar suas ocultas motivações! Aceitar as perdas e conviver com as diferenças traria tanta leveza, tanta paz! E então trocar a pulsão de morte pela benéfica pulsão de vida... E amar, e criar, e rir, e se misturar... Esse é o meu sonho. De tão óbvio, nem carece que Freud o explique.