No signo de Virgem, falar do mundo é falar das coisas que o constituem. É dizer algo assim: "As coisas têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, duração, densidade, cheiro, valor, consistência, profundidade, contorno, temperatura, função, aparência, preço, destino, idade, sentido. As coisas não têm paz." O aparente relatório revela a física e a metafísica do mundo em suas estruturas. Esse poema, que virou música, é de um virginiano mais que perfeito: Arnaldo Antunes. Examinar as coisas que Arnaldo cria é enxergar a essência de Virgem.
Nascido a 2 de setembro de 1960, às 23h50min, Arnaldo tem o Sol em conjunção ao regente Mercúrio, o versátil senhor das linguagens, um potencial decifrador vindo do fundo do ser virginal e primordial. Ele mesmo admite: "Muito do que escrevi ou compus bebeu na fonte de minha convivência com meus filhos, quando pequenos, nas suas percepções muito virgens, cheias de encantamento e estranhamento por tudo que os cercava."
Assim, a poesia se faz em versos concretos como: "o girino é o peixinho do sapo / o silêncio é o começo do papo / o bigode é a antena do gato / o cavalo é pasto do carrapato". Simples, direto, exato e puro. Um olhar sobre os brasileiros dá a síntese: "aqui somos mestiços mulatos / cafuzos pardos tapuias tupinamboclos / americarataís yorubárbaros / somos o que somos / inclassificáveis."
O corpo virginiano é tema recorrente de investigação: "o corpo se cortado espirra um líquido vermelho/ o corpo tem alguém como recheio". E a alma também pode ser objeto: "alma, deixa eu tocar sua alma / com a superfície da palma da minha mão, superfície." E só mesmo um virginiano para tecer a letra da já clássica O Pulso: "arteriosclerose, miopia / catapora, culpa, cárie / câimbra, lepra, afasia /o pulso ainda pulsa / e o corpo ainda é pouco."
Cantor, compositor, poeta, performer, artista plástico, titã e tribalista, Arnaldo Antunes é a inquietação virginiana a serviço da arte múltipla. Veredito: é inclassificável e modestamente genial. Enfim, imprescindível.