Neste 2025, o mundo deve lembrar os 80 anos do fim da Segunda Guerra, a maior carnificina que a humanidade já praticou contra si mesma. Naquele 1945, ante o horror de seis anos de um conflito que envolveu diretamente até o Brasil, parecia irreversível o esforço coletivo por paz. Fascismo e nazismo nunca mais! Por décadas, a memória dos milhões de mortos e a revelação da crueldade extrema dos campos de concentração pareceu assegurar, mesmo às gerações seguintes, que uma lição definitiva tinha sido ali aprendida. Qual o quê!
Não é que o fascismo está por aí, de novo, vivo e forte? Pior: sem qualquer vergonha, até emulando descaradamente seus antigos gestos e atitudes. E por essas estranhas ironias da História, os princípios fascistas hoje vicejam mais potentes bem no seio do povo que até então orgulhava-se de ter sido decisivo nas batalhas que outrora derrotaram o quê? O nazismo e o fascismo na Europa! Tinha mesmo razão o aquariano poeta alemão Bertolt Brecht, ele mesmo um perseguido pelo nazismo, quando disse que “a cadela do fascismo está sempre no cio”.
Refletindo sobre as sombras ameaçadoras que pairam agora sobre esse combalido planeta, mas sem querer trazer tamanho baixo astral para o leve espaço de uma crônica, rezei por um recorte adequado ao santo dos cronistas, São Rubem Braga. E ele me atendeu com o lampejo de um dos seus livros, Crônicas da Guerra na Itália. Braga foi correspondente do jornal Diário Carioca nos últimos meses do conflito mundial, cobrindo a luta dos pracinhas brasileiros em solo italiano. Ah, aquelas crônicas deviam ser de leitura obrigatória agora entre os homens de boa vontade.
No livro, vou em busca da crônica publicada no começo de fevereiro de 1945, até para fechar com exatidão a conta dos 80 anos. Traz por título Plantações, e o autor comenta ali o desafio arriscado de os soldados brasileiros andarem pelos campos onde antes os nazistas tinham enterrado minas explosivas. Esse contexto mortal já inspira Braga a nos alertar sobre o absurdo da guerra: “A terra não foi feita para plantar minas – foi feita para plantar batatas, estacas, trigo, café e mesmo – não creio que seja proibido, já que a terra é tão grande! – flores”.
Com a derrota cada vez mais evidente dos alemães, chegava a hora de resolver o problema de como evitar que o nazismo pudesse um dia retornar, com outro nome, noutro lugar. Pois, como escreve Braga: “Ele pode brotar outra vez do chão – na Europa, ou na Ásia, ou em nossa América”. Ai, meu santo cronista, estaria ali o senhor sendo profético?
O senhor mesmo reconhece: “O fascismo é uma praga difícil de exterminar”. Pois ele seria o preço que os povos pagam pela própria desatenção de permitirem “a defesa frenética dos privilegiados”. O único remédio contra o fascismo seria conquistar e manter a todo custo a liberdade do homem, essa liberdade que só existe “quando cada um vale pelo seu trabalho – e não pelo seu nascimento nem pelos seus privilégios”.
Segue o cronista: “Ninguém se iluda: acabar com as injustiças nacionais e sociais, que são o caldo de cultura do fascismo e das guerras, será uma luta muito dura, uma grande luta do povo”. Mas eis uma luta pela qual vale a pena lutar, assume o autor, pela simples razão de ele ter um filho ainda menino. E deve um pai lutar para que esse filho, no futuro, jamais tenha que caminhar num campo minado, “onde a todo instante um passo distraído pode ser uma explosão estúpida, a morte”.
Devoto que sou de São Rubem, fecho com ele, e copio seu chamamento feito há 80 anos sobre a nossa escolha possível da lavoura do futuro: “a lavoura que meu filho e vosso filho vão colher amanhã, nós é que a semearemos agora”. E semear paz, hoje, é fazer frente ao fascismo, seja lá com que nome ou disfarces de legítimos nacionalismos ele esteja a brotar. Lembrar do que foi a Segunda Guerra já é um bom começo.