Ao publicar a instigante obra Homo Deus, em 2015, o historiador israelense Yuval Harari advertiu que no futuro (está acontecendo agora) o poder iria se concentrar nas mãos dos detentores de dados. A internet seria o celeiro a expandir o novo capital. Sua previsão foi certeira e passou a ocupar o universo da política e da economia bem antes do imaginado. Hoje, ao comprarmos uma camiseta em uma loja virtual qualquer, por exemplo, entregamos à empresa nossos números de identidade, CPF, telefone. O que será feito a partir daí, só Deus e os bilionários do Vale do Silício poderiam nos explicar. Essa concentração de informações gera bancos de dados e permitem a disseminação entre um enorme contingente. E aí tudo muda. De posse desse tesouro imaterial, será possível espalhar isso para o mundo, no limite da radicalidade. O algoritmo fará o resto. E a maioria prefere seguir o senso comum (desobrigando-se do exaustivo trabalho de análise crítica), optando por crer de maneira cega em quem as propaga. Cabe lembrar o já sabido: recebemos nos celulares notícias com um viés próximo das ideias simpáticas a nós. Começa aqui a famosa e nociva polarização.
A expansão da virtualidade nos últimos anos trouxe a vantagem inconteste de distribuir de forma democrática o que antes pertencia a um pequeno grupo. A grande questão é: o que estamos fazendo com o conteúdo recebido? É raro nos conscientizarmos do enorme impacto disso na vida. Definitivamente não sou pessimista, mas confesso me sentir impotente diante dos resultados advindos desse processo. Eleições são ganhas na base da distribuição de falsas matérias sobre adversários. Somos manipulados sem nos darmos conta, pois isso é feito com sutileza e, distraídos em meio a um mar de fatos gerados a todo momento, acabamos perdidos e pouco propensos a fazer uma checagem para separar o joio do trigo. Passamos a ler as imagens, deixando de lado a palavra. A manipulação e o recorte de determinados materiais podem nos induzir a crer em algo apartado do contexto. Até os dotados de admirável capacidade intelectual estão sucumbindo a esse viés de leitura da realidade. É mais rápido e o esforço, menor. Tornamo-nos, sem perceber, uma fonte inesgotável de lucro para quem deseja realizar vendas ou tornar suas propostas sedutoras aos olhos alheios. Nesta história não há mocinhos e vilões. Tudo se mistura no transbordante caldeirão, vinte e quatro horas por dia.
O futuro nos reserva uma disseminação de conceitos superficiais para estarem ao alcance geral. Nivelamento por baixo. E, mesmo parecendo surreais, encontrarão respaldo nas mentes propensas a acreditar, pois endossam sua visão particular. O importante será gerar engajamento. A regra é simples: quanto mais, melhor. Números, números. Dá para fugir disso? Praticamente impossível. Podemos, no entanto, aprender a filtrar o que entra pelas nossas retinas e ouvidos e estabelecer determinados critérios de credibilidade. Caso contrário, seremos uma massa manipulável de criaturas em busca apenas de ocupar o pódio numa aldeia que entroniza o autoritarismo como a nova religião desta era fascinante e perversa.