Cada sociedade e cada época imprimiram nos indivíduos as regras para o amor. Há o da submissão, o romântico, o cortês, o dos contratos. Fato é que que todos nós somos profundamente influenciados pelos códigos vigentes. Pensamo-nos livres, quando estamos apenas obedecendo o que, de forma lenta e quase imperceptível, vai sendo introjetado em nossa mente. Depois de certo tempo, acaba fazendo parte do nosso DNA emocional. Somos agentes passivos deste sentimento que, não importa como se manifesta, acaba por se tornar o centro de nossas vidas. A leitura de muitos romances e outros tantos ensaios me ajudou a compreender a natureza que o envolve. Cedemos à biologia e ao impulso de reprodução. Mas também sonhamos com uma pessoa que possa “nos completar”. Esse termo, carregado de exigências e responsabilidades, acaba contaminando a visão idílica que alimentamos quando ele é ainda uma idealização. A pesada carga de ciúme e posse acaba por corromper, inevitavelmente, esse que poderia ser uma espécie de portal da salvação. Um refrigério para a inalcançável solidão que, em tantos momentos, perpassa nossa alma. Mesmo tendo essa consciência, muitos insistem em transformar a criatura que amam em propriedade privada, projetando nela suas carências.
Dentre os tantos modelos que estudei e testemunhei, jamais esqueci o que foi proposto pela grande romancista Jane Austen. Vivendo na provinciana sociedade inglesa do século XIX, presa a rígidos códigos morais e religiosos, ousou pensar muito além do que as convenções permitiam. Sua fórmula, simples e eficaz, traduz uma das mais belas maneiras de vivenciar a relação amorosa: cada um pode educar e aperfeiçoar o outro. Ao contrário do que foi imposto pelo cristianismo, em que a aceitação era o ideal máximo a ser alcançado, seus personagens encontram no objeto da paixão uma rara possibilidade de enriquecimento pessoal. Há uma complementaridade, não uma adequação que tantas vezes acaba nos conduzindo a uma atrofia da sensibilidade. O senhor Darcy e Elizabeth Bennet, personagens de “Orgulho e Preconceito”, aproveitam suas diferenças para se polirem, não para subjugar. Percebem que o relacionamento pode transformar a diversidade em algo vantajoso. Olham-se com curiosidade, muito antes do que tentar impor um ideal de comportamento que só tem a chancela do individual. Austen, crítica perspicaz de seu tempo, carregado de regras e convenções, universaliza a condição humana a partir de dois seres que, ao longo dos anos, tenderão a se tornar melhores se souberem incorporar por meio da alteridade.
Nesta visão magnífica, pouco importa dinheiro, posição social ou beleza. Cada um permanecerá receptivo ao outro, adotando modos, avaliando-se e indo ao encontro de uma maturidade que só é alcançada através da generosidade e da ausência de preconceitos. Para que isso aconteça, precisamos nos despojar da arrogância de acreditar que o que almejamos para nós pode se tornar uma máxima universal. Felizmente, somos incompletos.