Ouço o relato de um amigo que saiu recentemente do hospital, internado por ter sofrido uma parada cardíaca. Disse-me que, mais sou menos quinze minutos antes do ocorrido, sentiu uma imensa alegria, tendo sido invadido por uma onda de euforia como nunca antes experimentara na vida. Assim, do nada. Falou-me que tinha vontade de abraçar tudo mundo, imerso em amor, em gratidão. Era algo extraordinário, parecido com uma prazerosa alucinação. Dias depois, conversando com o médico, soube que na ocasião o seu cérebro recebeu uma grande dose de adrenalina. Toda essa alteração emocional resultou disso. Confidenciou que adoraria encontrar numa farmácia um medicamento que provocasse esse efeito, pois o que experimentou foi quase um êxtase religioso.
Depois que nos despedimos, refleti longamente. E uma pergunta martelou na minha cabeça: Será que os sentimentos são o resultado, pura e simplesmente, de uma química? Mais: O que sobrará disso depois da nossa morte? Já se sabe que as sensações podem ser controladas ou manipuladas. Com o admirável avanço da medicina, descortinam-se possibilidades até então pertencentes ao campo da ficção. Quem conhece um pouco de nanotecnologia sabe que todos os espaços do nosso corpo podem ser escrutinados por micro aparelhos, praticamente invisíveis a olho nu. E aos poucos se vai jogando luz sobre o que antes pertencia ao campo da superstição, mais tarde da especulação e agora da realidade.
Se você tocar no assunto com um monge, um padre ou qualquer pessoa imbuída de espiritualidade, terá como resposta a convicção de que a consciência ultrapassa a degeneração celular. Já os cientistas lhe darão outra perspectiva, considerando a possibilidade de nossa extinção. Onde está a razão, onde encontrar certezas? Reza o bom senso que devemos nos abster dos extremos. Sempre me senti instigado em saber qual é o centro gerador das emoções. Do que nasce a saudade, a melancolia, a raiva, o amor? Mistério...Será possível desvendar o que define a nossa humanidade? Dúvidas que permeiam outras dúvidas, numa espécie de labirinto infinito.
Gostaria – em outras circunstâncias, claro – de ter tido a experiência que descrevi acima. Esse desregramento momentâneo pode ser capaz de nos mobilizar filosoficamente. Grãos de areia em um universo que parece indiferente ao nosso destino, seguimos fazendo apostas. Abro os olhos e me sinto fascinando só em pensar que um dia poderemos saber se tudo isso tem algum "sentido" ou se há apenas a gratuidade. Por enquanto, continuamos navegando em águas opacas, tendo como resposta um incômodo e renovado silêncio.