Recordo-me de, em minha juventude, observar familiares mais velhos e pensar: quando chegar nessa idade, provavelmente serei diferente deles. Desejamos ser diversos de nossos antepassados. Porém, quando entramos na quarta ou quinta década de nossa vida, vamos percebendo que o roteiro percorrido guarda grandes semelhanças. Distinguimo-nos profissionalmente deles; temos filhos ou não; fazemos algumas interferências estéticas ou aceitamos as mudanças do rosto e do corpo. Mas há algo muito sutil, nem sempre detectado, que nos leva a repetir os modelos em que nos espelhamos desde a infância. Uma espécie de força invisível nos faz representar semelhantes papéis. Em suma, não esperemos grandes originalidades em relação aos que nos precederam. O que no começo pode causar algum desconforto, com o passar dos anos se revela apaziguador. Aprendemos a relaxar e a observar com certa curiosidade o que vai se definindo. Aqui e ali, sinais evidentes da complexa teia da hereditariedade se tornam manifestos. E acabamos por nos entregar às evidências: a natureza acaba vencendo a cultura e os hábitos. E seguimos mais tranquilos, aproveitando o que nos é reservado.
Ao invés de pensar nisso como peso da inevitabilidade, começo a percorrer com curiosidade a extensão dos meus atos e sentimentos. E a presença do meu pai e da minha mãe se evidencia. É claro que os múltiplos caminhos palmilhados nos premiam com alguma liberdade em nosso mundo pessoal. Mas sempre haverá algum resíduo. Sinais muito sutis que permanecem incrustados no que fazemos em nosso cotidiano. É como se um fio tênue tudo perpassasse. Talvez essa seja a única imortalidade a que podemos aspirar. Talvez não. O fato é que esse encadeamento, que se revela no físico e na mente, nos atrela em caráter definitivo não só aos que nos precederam, mas também aos que nos sucederão. Há, naturalmente, o saudável exercício para definir a nossa individualidade. Não é bom viver em processo de osmose. Precisamos acolher o desconhecido. É uma luta silenciosa para que nosso nome ganhe legitimidade. Podemos testemunhar esses embates violentos sobretudo na adolescência, quando ainda não temos a sabedoria da aceitação. Como seria bom se pudéssemos vislumbrar o que vai acontecer lá adiante. Nos cansaríamos menos, aprendendo a nos nutrir dessa força,dessa sentença quase definitiva.
Olho-me no espelho, analiso meu rosto. Espreito o que se passa do lado de dentro. Não sou apenas eu quem caminha, observa, se espanta ou se decepciona. Há uma pequena legião de seres que me acompanham.
Tudo começa e termina além de cada um de nós.