Sento para escrever esta crônica semanal. Algumas ideias na cabeça se sacodem de um canto a outro. Escuto o canto dos pássaros logo após a chuva. Diante de mim alguns livros. Penso em quem me lê, em meus pacientes, nos dias de sol e mar. Não pensar é um desafio. Meus olhos tocam em Albert Camus, em 1942 ele escreveu O mito de Sísifo, em plena Segunda Guerra Mundial, quando a Europa estava prestes a ruir diante da ocupação nazista. Quase no final do livro ele diz que a vida é absurda e vazia de sentido. Então, nas últimas linhas se lê: “A luta (...) é suficiente para preencher um coração humano. É preciso imaginar Sísifo feliz”.
Sísifo era um sujeito cujo castigo interminável era rolar uma pedra morro acima e toda vez que chegava lá em cima, ela descia e ele precisava começar tudo de novo. Eis a repetição. Rolamos, como ele, nossas pedras todos os dias. Há lutas das quais não podemos fugir. Somos convocados a fazer a nossa parte.
Passamos boa parte de nosso tempo carregando fardos de todos os tipos, pesos e tamanhos. É o trabalho, as contas, a falta de dinheiro, os sonhos protelados, e há também nossas memórias, lembranças, mágoas, dores. Subimos e descemos nossos morros internos, às vezes sem conseguir enxergar um fim, cruzando o tédio das horas.
Aos poucos vamos nos dando conta de que somos escravos de nós mesmos. Escravos das nossas obrigações, nossas angústias. Escolhemos determinadas “pedras” para carregar e por mais que saibamos que podemos, em algum momento, deixar de fazer isso, parece que não conseguimos. Parece que o ato de apegar-se ao que nos faz mal é mais forte do que experimentar um desconhecido mais leve. Afinal, quem seremos sem nossas dores?
É preciso ter paciência. Inclusive diante daquilo que não sabemos porque fazemos. Quando nos movemos rápido demais perdemos a capacidade de observar quem somos. É claro que é difícil ser paciente. Mas há momentos que só conseguiremos suportar se fizermos as pazes com a dificuldade. Não temos controle algum sobre nada.
Precisamos aprender a seguir a parte mais lenta que temos. Fazer uma pausa, levar-se para passear, mesmo que se esteja no meio de uma demanda imensa de trabalho ou exigências. Rasgar o tempo em dois e criar um entretempo. Ouvir um pouco de música, ficar em silêncio, observar os passarinhos, regar algumas plantas, tomar um café.
Dias atrás minha mãe abriu o guarda-roupas e lá tinha um casaco bordado da minha nona, Cecília, que morreu faz anos. Coloquei em mim a roupa que já foi dela. Me vi ali sendo ela. Me emocionei. Toquei em algo que ela tocara. Quase consegui escutar o que vestia. Quando usamos uma roupa, tocamos em algum objeto de alguém querido, aquilo fala conosco.
A vida não é fácil. Tem perdas, tristezas, momentos de desesperança. Mas é preciso tentar ser feliz, assim, nos pequenos encontros, nos encantamentos que a vida apresenta, para que nosso coração possa tomar as decisões mais sinceras.