Ser adulto. A expressão parece implicar a ideia de que, finalmente, a pessoa se transformou num ser coerente. Como se a infância fosse sumindo aos poucos até que um dia, termina. Ser adulto é algo que vai chegando em pequenas prestações diárias e cada um de nós vai seguindo seu próprio enredo. Uns desejam ter uma casa, outros dinheiro para viajar, uns, amar, outros, só sexo. Não sei bem quando virei adulta, mas sei que ter palavras e saber usá-las era meu maior desejo.
Talvez eu já fosse adulta aos 14 anos quando tive de encarar as investidas de um sujeito mais velho enquanto esperava o ônibus. Estávamos os dois na parada e ele começou a puxar conversa. Lembro que me senti desconfortável e não respondia. Ele insistiu, queria saber meu nome, onde morava, se tinha família e disse que gostaria de me namorar, que me levaria para casa, queria conhecer meus pais e toda uma ladainha ininterrupta. Eu fiquei ali quieta, sem responder às investidas, rezando para que o ônibus chegasse logo ou aparecesse outra pessoa. Quando lembro dessa história não penso que tenha sido corajosa. Só muito recentemente descobri que poderia ter dito para ele me deixar em paz, que não estava interessada na conversa dele. Lembro de ter comentado esse fato um tempo depois, numa roda de amigos e um deles ter me questionado por que eu não saí dali, por que permaneci ouvindo? Demorei para encontrar a resposta, mas talvez eu já questionasse o fato de que são sempre nós, as mulheres que temos de nos retirar dos espaços e conversas. A sentença que diz: os incomodados que se retirem, deve ter sido feita pensando nas mulheres, porque somos sempre nós que nos retiramos. Os motivos podem ser vários e de toda ordem: medo, raiva, ingenuidade, ignorância, despreparo, desconhecimento, educação, sim, por achar que dizer algo pode piorar as coisas. No meu caso, na época, não me ocorreu que poderia ter digo alguma coisa, porque nunca me ocorreu que eu tivesse autoridade para isso. Eu, assim como a maioria das mulheres, não fomos educadas para nos defender por meio do discurso. Somos educadas a relevar, a achar que isso é normal, a não dar importância e pior, ouvir em casa que isso acontece porque estamos virando mulher.
Ser adulta para uma mulher é viver em permanente guerra sem que ninguém ao redor perceba que se está nela e quando ousamos tocar nestes assuntos ou deixamos as pessoas constrangidas ou somos chamadas de loucas, como forma de duvidar de nossa capacidade de testemunhar a realidade.
A parte boa de envelhecer é que vamos mudando, se tivermos sorte e coragem, vamos nos fortalecendo. Olho para as meninas de 20 anos, lembro que já me achava adulta nesta idade, e as vejo quase como crianças ainda, tão cheias de vida e vulneráveis. Crescemos como se fôssemos árvores, como se altura fosse tudo que pudéssemos ganhar, mas, na verdade, o principal é conseguir tornar-se inteira na medida em que a vida e os seus pedaços, vão sendo reunidos e as palavras, finalmente, ditas.