O poema é necessário para que a língua se afine, a prosa se comova, a criança cresça brincando, o amante sorria, a primavera aconteça, as ameixas amadureçam, o vulcão se acenda, a raiva vire rio, o rio vire beijo e as letras queimem.
O poema é necessário para que a pedra grite, o gato acorde, as ruas se aqueçam, a fé reencarne, o corpo amoleça, a casa fique em desordem, os discos voltem a tocar (e a voar?), a mesa seja posta, a cama aquecida, o desejo desperto, o tempo encontre a doçura do figo.
O poema é necessário para que as pessoas voltem a cantar, a ninar, a sonhar, a transar, a viver, a entender que a língua é viva, molhada e poliglota, que as árvores crescem e quebram as calçadas, que o cachorro invade a igreja de porta aberta, que as abelhas beijam flores o tempo todo.
O poema é necessário para que os contratos de aluguel sejam feitos (e desfeitos), as orações sejam silenciosas, o choro salgue a perda, as histórias violentas sejam noticiadas, os seixos rolem desprendendo-se do caminho, os corpos sejam aquecidos pelo sol, a borra de café sobre na xícara vazia denunciando o fim.
O poema é necessário para que as pessoas se entendam, se calem, se silenciem, se amem depois de descobrirem que são secas, sombreadas e às vezes, florescem fora do tempo.
O poema é necessário para consertar trincos velhos, falas distorcidas, enganos ingênuos, medo do escuro, do ruim do outro, do ruim de si, o desencontro, a vontade de sumir, o dia de hoje, a amargura das coisas breves.
O poema é necessário para o mundo ser ouvido, para o som ser sentido, para as algas terem veias, as rugas carregarem história, os dedos mudos tocarem o tempo distante, os corpos se espalharem na areia em busca de sol, mar e sal.
O poema é necessário para que as estações mudem, o arroz cozinhe, o tricot termine, a esperança não vire desespero, nem o amor vire entretenimento.
O poema é necessário para responder as perguntas, para as perguntas sem resposta, para as respostas atravessadas, para as perguntas equivocadas.
O poema é necessário para entender por que alguns fogem, o silêncio é tão agudo, a morte é sem sentido, as imagens das fotografias são mudas, alguns nunca vão entender e porque os que entendem são os que mais sofrem.
O poema é necessário para dizer o não dito, o (mal)dito, o desdito, o mal entendido, o desmedido, o insano, o sem sentido, o inconsciente.
O poema é necessário para limpar a ferida, sangrar o sujo, tirar o pus da pele, tocar o profundo, lavar com o choro, torcer a saliva e sorrir ao fim, sem saber se isso é a cura.
O poema é necessário para amaciar a prosa, dizia um professor, ver as insignificâncias do mundo, saber-se só e mesmo assim, plantar gerânios.
O poema é necessário para recomeçar o mundo, tentar outra vez, e outra vez mais, mesmo sabendo, de antemão, que tudo pode dar errado de novo.