Há dois anos plantamos glicínias em nossa casa. Quatro pés para cobrir alguns metros de terreno. Sonho de uma sombra e desejo de muitos pássaros. Com o tempo elas cresceram, verdejaram e os passarinhos foram se achegando, driblando os gatos e aprendendo as artimanhas dos galhos. A cada vez que a ajudo a se desenrolar de si mesma e a se amparar em suportes mais seguros, penso na psicanálise e no trabalho analítico. Aprendo com as glicínias que elas carregam em si uma natureza própria e que essa natureza jamais pode ser objetificada a partir daquilo que se pensa humano. O corte, iniciado há séculos, entre o pensamento, a ação, a cultura e o mundo natural, pode, de certa forma, ser visto como o processo de adoecimento do ser humano em seu ethos, em sua morada, em seu corpo. É também dentro do próprio corpo, que é totalmente ligado à natureza, onde encontramos o silêncio tão necessário à reflexão. Dias atrás, uma paciente, em atendimento online, disse que ouvia os passarinhos ao fundo. Logo pensei, são as glicínias que os estão chamando à celebração do que ainda vive. E então falamos sobre essa percepção que nos encontrou pelo ouvido, sobre a busca do entendimento da dor e a nossa desconexão com a natureza e o ser de si. Quando cuidamos da natureza, a natureza cuida de nós. Nela encontramos o simples e o originário. É dentro dela que podemos realizar o encontro do ser humano com o mistério.
Opinião
Adriana Antunes: as glicínias e a psicanálise
Aprendo com as glicínias que elas carregam em si uma natureza própria e que essa natureza jamais pode ser objetificada a partir daquilo que se pensa humano
Adriana Antunes
Enviar email