Cresci vendo minha mãe fazer crochê. Na infância não dava importância, na adolescência achava coisa de gente antiga, agora que também envelheci, faço nós por fora para desatar o que tem dentro. Claro que não crocheto com a maestria dela, pontos bem dados, tessitura justa, trama organizada e perfeito acabamento. Eu teço o desigual, o díspar, o estranho, o imperfeito. Não faço crochê para cobrir as janelas, faço para me despir de minhas próprias angústias, faço de pedaços , restos de linhas e muitas lembranças. Amarro em cada nó dado um pouco do sol das manhãs em quarentena, um tanto do canto dos pássaros, a brincadeira dos gatos com o novelo de linha, leituras interrompidas, risadas de crianças ao longe. Amarro um pouco do verde do jardim, uns fiapos da brisa do outono e o farfalhar das folhas ao final da tarde. Dou um nó após o outro como quem costura e integra a própria experiência de estar viva. Nestes momentos não leio notícias, me isolo do mundo, da covid-19, do medo da morte e da arrogância dos idiotas.
Opinião
Adriana Antunes: Sobre Scliar
O momento que estamos vivendo exige que deixemos de ser onipotentes
Adriana Antunes
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