Caríssimo, há dias que não te escrevo, pois entre o frio que tem feito, as flores que preciso proteger e o desejo de ficar longe de tudo, tem me feito passar a léguas do computador. Se vivêssemos em tempos de antes, te escreveria que estaria longe da caneta e do papel. Não sou tão antiga assim, mas confesso que teria gostado muito de ter vivido neste tempo. Não só pelo jeito lento de se contar sobre si e querer saber do outro, mas porque todos pareciam mais polidos, educados e com disposição para falar dos cotidianos sem tantas afetações.
Sim, provavelmente seja só uma mera fantasia do tempo distante, mas guardo a possibilidade de que talvez, em algum momento, assim tenha sido. Escrevo-te para contar da minha silenciosa indignação. Passei do tempo de pegar em bandeiras e sair à rua, hoje fico apenas na torcida para que os mais jovens façam o que já fiz muito na idade deles. Hoje assisto a documentários, como essa nova série da Netflix sobre as guerras no Brasil e desejo que mais pessoas a estejam assistindo e descobrindo, assim como eu, que somos mais filhos do discurso do que da história em si.
Às vezes, te confesso, tento ficar longe das notícias, da mídia, pois que tudo parece tão surreal. Então me volto para os gatos, para as plantas, para as leituras de poesia, mas, assim como acontece contigo, dali a pouco lá estou outra vez procurando saber em que pé andam a política, a economia, a educação, a cultura, os bastidores desse olimpo do terceiro mundo ao qual pertencemos. Realmente não passamos de reles mortais desejando ser tocados por alguma divindade. Leio as cartas de Fernando Pessoa, as de Clarice Lispector, as de Freud e penso que sobre nós nunca ninguém terá carta alguma.
Passamos do tempo em que a correspondência era importante para manter vínculos e imprimir seus caracteres de história individual de cada um. Então volto ao tema central desta (anti)carta e olho para fora. Tenho a nítida impressão de que alguns dormem, completamente, indiferentes se faz frio ou calor. Não assistem jornais, não leem jornais, não ouvem rádio, não sabem do cotidiano. Acompanham pelas redes sociais mexericos, diz-que-diz, coisas soltas, inverídicas, fantasiosas e, talvez até, infantis.
Quisera poder ser assim, esquecer-me do dia a dia e prestar atenção somente às orquídeas. Mas tenho uma velha mania de ler tudo o que escrevem. Leio no jornal, depois no twitter e leio até os comentários, que deveriam ser proibidos pelo Ministério da Saúde, porque fazem muito mal à sanidade mental. É um desejo contraditório movido pela vontade de estar informada e para provar a mim mesma que o mundo anda de pernas invertidas. Como se o mundo me invadisse com sua falta de cor e seus gritos de revolta. É terça, te deixo com minha angústia e desejo de tempos melhores. Espero-te para um café. Agora, conta-me de ti.