Pelo menos 25% das mães brasileiras apresentam sintomas de depressão no período de seis a 18 meses após o nascimento do bebê, aponta estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) lançado em 2023. Porém, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que apenas metade dos casos são diagnosticados.
A importância de discutir a saúde física e mental das mães se transformou na bandeira da campanha Maio Furta-Cor, celebrada no Brasil desde 2021. O movimento se dedica a discutir as causas maternas e chama a atenção para o cuidado até depois do nascimento do bebê, com foco nas doenças psicológicas.
Em Passo Fundo, no norte do Estado, os hospitais oferecem acompanhamento psicológico para as mães que demonstrarem necessidade de acompanhamento profissional. Conforme a psicóloga Elsa Tallamini, é mais comum que as gestantes que passaram por algum momento de trauma ou que não tiveram uma gravidez tranquila apresentem os sintomas mais graves.
— A maternidade é uma janela de vulnerabilidade, é um período de muitas transformações e expectativas de um resultado. Mães que tiveram gestações com percalços, com histórico de doenças prévias, e bebês com risco de parto prematuro ou má-formação estão mais suscetíveis a desenvolverem — explica a especialista.
Conforme a pesquisa da Fiocruz, os perfis mais comuns de mães com depressão pós-parto incluem mulheres pardas, de baixa condição socioeconômica, com antecedentes de transtorno mental, que seguem hábitos não saudáveis (como uso excessivo de álcool) e com gestações não planejadas.
Os gatilhos por trás do diagnóstico
Além dos históricos de saúde e problemas que podem surgir ao longo da gestação, ainda há outro peso que recai sobre as mulheres: corresponder as expectativas de sua família ou do contexto que está inserida. O trabalho, a cobranças e a necessidade de seguir o que se espera de "ser mãe" também podem gerar os gatilhos de doenças psicológicas.
— É preciso entender quem é essa mulher antes de ser uma gestante, em como era o enfrentamento de obstáculos dela antes, pois isso vai aparecer no puerpério e na gestação. Na prática, o bebê vem sem manual de instruções e essa mãe não sabe se dará conta da amamentação, do cuidado e, ao mesmo tempo, se cobra para dar esse suporte e construir o vínculo com o bebê. Assim, ela pode desenvolver os quadros — aborda a psicóloga residente no Hospital de Clínicas, Vanessa Thomazini Cardoso.
Esse rompimento do que é considerado “ideal” para uma boa mãe também é perigoso. São fatores impostos pela sociedade, mas que dependem da personalidade de cada mulher, de suas expectativas e de seus filhos.
— Às vezes essa mãe abandonou o trabalho e se viu em casa depois de muito tempo. São as questões da mulher atreladas à mãe que ela se tornou. Além desses problemas particulares dela, há o novo sujeito e ela sente que não vai dar conta, e isso gera o sofrimento. Tem mulheres que desejaram ser mães a vida toda, e outras que acabaram se tornando e precisam lidar internamente com isto — conclui Thomazini.
Doenças mais comuns
Nos primeiros dias após o parto, especialistas apontam ser natural apresentar oscilações intensas de humor. Sinais como choro fácil e irritação são identificados em pelo menos metade das puérperas, conforme dados da Campanha Maio Furta-Cor.
Conforme a psicóloga Elsa, se esses sintomas atingem um pico, normalmente entre o quarto ou quinto dia do bebê, e duram até duas semanas, podem ser classificados como a doença Baby Blue, que demanda uma avaliação especializada.
Sentimentos parecidos, como sensação de “não dar conta” e processo de afastamento, também podem estar atrelados ao Baby Blue, mas são sentidos no transtorno de ansiedade. A doença pode aparecer nos processos de cuidado com o filho, sendo mais comum na primeira gestação.
— É uma ansiedade diante do novo, de como é o processo de cuidado. Se isso paralisar aquela mãe, ser uma cobrança extrema, a ponto de não conseguir manter uma relação ou sentir que vai ser “aniquilada” pelo sentimento, é preciso de cuidado muito rápido — resume Elsa.
Já a depressão pode acontecer durante o pré e o pós-parto. É um quadro com tristeza persistente, ausência de prazer nas atividades rotineiras, baixa autoestima, culpa e sensação de fracasso.
— Ele não é somente a condição de humor, está relacionado a muitas áreas da vida. Se não for tratado, pode ter patologias mais graves se instalando — alerta.
Acompanhamento psicológico é fundamental
Para garantir uma experiencia saudável para mãe e bebê, a recomendação é de que haja uma equipe de psicologia disponível para atender em caso de necessidade. No caso da personal trainer Nathalia Carbonera, o vínculo com a terapia foi fundamental para o período.
Com um bebê de quatro meses, ela conta que teve uma gestação tranquila, atrelada aos hábitos de saúde. Os sinais de auto cobrança apareceram apenas após o nascimento do filho, ainda nos primeiros meses:
— A pressão aumenta quando ele nasce. Me senti cobrada e ainda me sinto, pois cada dia é um desafio novo. Eu sempre fiz terapia e durante a gestação intensifiquei, junto da leitura. Acredito que nós mães precisamos desse auxílio porque passamos também pela mudança no corpo e hormonal, são vários aspectos ao mesmo tempo para lidarmos — disse.
A relação entre as funções de mãe, de profissional e de cuidado com a casa são as cobranças que permeiam na experiência maternal da personal. Agora, depois de quatro meses de parto, ela conta que a rotina já começou a se estabilizar.
— A maternidade é um paradoxo. Você está feliz e é muito prazeroso, mas é uma montanha russa. A gente entra em parafuso mesmo se não tiver suporte, porque são sentimentos que você precisa abrir pra alguém, para ver que não está sozinha, que é normal, que faz parte. É um aprendizado intenso e diário, e que vamos pegando o jeito — finaliza.