Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS.
Cheguei em casa do trabalho e me atirei no banho. Depois, fui até a geladeira e me servi de um copo de água gelada. Em uma panela grande coloquei batatas e legumes para cozinhar. Lavei louças que haviam ficado do café da manhã. Enquanto o fogão trabalhava, joguei algumas roupas sujas na lavadora. Prontos as batatas e os legumes, fritei um peito de frango e estava com o jantar pronto. Antes de sentar à mesa, porém, juntei em um liquidificador alguns pedaços de abacaxi, gelo e água gelada para um suco. Jantei, tomei um chá, escovei os dentes.
Água, água e água. A noite que narrei no parágrafo anterior seria simplesmente inviável sem água. Pois é nesta inviabilidade que vivem cerca de 35 milhões de brasileiros que não tem acesso à água potável. A vida destas pessoas é um constante arremedo: a água chega esporadicamente, em baldes, suja, em pouca quantidade. Elas precisam calcular diariamente o quanto será usado em cada atividade. Se o banho for mais longo, pode faltar para lavar a roupa ou a louça.
Aqui em Porto Alegre, temos acompanhado nos últimos dias a situação extrema na região do Morro da Cruz, onde pessoas têm suas torneiras secas há mais de mês. E não se trata de problema esporádico, pois a situação ali é crítica há anos. A solução emergencial, negociada entre a prefeitura e os moradores neste momento, foi a distribuição de caixas d’água – que, aliás, parece não estar funcionando muito bem, segundo informou GaúchaZH em matéria de ontem.
Sendo o acesso à agua um direito humano essencial, cabe ao Estado garanti-lo
Uma das dificuldades em resolver estes problemas de infraestrutura é a questão financeira. Volumes consideráveis de recursos são necessários para estruturar redes de distribuição de água. O Marco do Saneamento, em vigor desde 2020, chega abrindo mais espaço para investimentos privados, via concessão. Mas, precisamos entender como chegamos nesta situação para que ela não siga se agravando.
Em muitos casos, as pessoas que não têm acesso à água residem em regiões de difícil acesso, onde a urbanização se deu de forma desordenada e desestruturada. Acontece que isso também é consequência da ausência do Estado, que não foi capaz de oferecer um sistema de habitação adequado que desse conta deste movimento.
Sendo o acesso à agua um direito humano essencial, cabe ao Estado garanti-lo. Precisamos de canos e caixas d’água, sim. Mas, também precisamos de uma rede de assistência e planejamento urbano completa. Sem isso, seguiremos condenando cidadãos a passarem sede em áreas vulneráveis e chegando atrasados para resolver.