Por Thaís Fidelis Alves Bruch, procuradora do Trabalho, e Nicole Schultz Della Giustina, assessora do Ministério Público da União (MPU)
Recentemente foi anunciado que a Meta suspenderá medidas de moderação de conteúdo e checagem de fatos em suas redes sociais. Abstraindo-se momentaneamente o mérito dessa decisão empresarial, pretende-se notabilizar um trabalho por vezes invisibilizado, realizado pelos moderadores.
A IA, ao contrário do que se tenta fazer parecer, não subsiste sem trabalho humano
A inteligência artificial, ao contrário do que por vezes se tenta fazer parecer, não subsiste sem trabalho humano, e este trabalho, diferentemente das imagens que permeiam a nossa mente (engenheiros, analistas de TI), é, em larga escala, nada glamouroso; ao revés, ocorre esmagadoramente na informalidade e com baixa remuneração.
Trata-se de um microtrabalho, ou seja: consiste em tarefas altamente fragmentadas, realizadas online, por vezes inseridas no contexto da economia de “bicos” que não exigem qualificação e que são de baixo custo para as empresas contratantes, as big techs. Os moderadores são responsáveis por filtrar imagens, vídeos, textos com conteúdo violento, agressivo ou explícito, o que gera uma preocupação especial com os efeitos da atividade no tocante à saúde mental, visto que parte de suas tarefas envolve assistir a assassinatos, estupros e outras mazelas.
Esses trabalhadores recebem poucos reais ou mesmo centavos por tarefa, e podem ter suas atividades não aprovadas pelas empresas, ficando sem remuneração e à margem de qualquer proteção social. Podem, ainda, restar sem qualquer ocupação em face de uma queda repentina na demanda, como parece sugerir ser o caso atualmente, com o anúncio da Meta.
Estima-se que haja mais de 50 empresas, a maior parte delas estrangeiras, contratando brasileiros para microtrabalho, tornando-o uma modalidade muito relevante em termos numéricos e exigindo nossa atenção na formulação de leis e políticas públicas. Afinal, há muitos humanos invisíveis, mas de carne e osso, por trás da artificialidade tecnológica que enxergamos.