Ana Toni, diretora-executiva da próxima conferência sobre o clima da ONU, que acontecerá em novembro na cidade de Belém, alertou a União Europeia (UE) contra qualquer retrocesso em matéria climática, durante uma entrevista à AFP em Paris.
Os 27 países membros da UE estão negociando há meses nos bastidores sobre a proposta da Comissão Europeia de reduzir em 90% as emissões de gases de efeito estufa até 2040, na comparação com os níveis de 1990. Países como Itália e República Tcheca reivindicam metas menos ambiciosas e outros, como a França, ainda não se posicionaram publicamente sobre o tema.
PERGUNTA: A União Europeia pode questionar o objetivo de reduzir em 90% as emissões de gases do efeito estufa até 2040 na comparação com 1990. O que você acha disso?
RESPOSTA: "A UE sempre foi líder no debate climático, é absolutamente vital que a UE mantenha a liderança, e ainda mais na geopolítica atual. Seria extremamente decepcionante enfraquecer o compromisso duplo, de menos 90% até 2040, como a Comissão propôs, e um plano de redução até 2035 muito ambicioso".
P: O que aconteceria em caso de redução do compromisso europeu?
R: "A UE deve dar o exemplo [...] Se não o fizer, não seria surpreendente se países em desenvolvimento, como Índia ou China, reduzissem suas próprias ambições".
P: Você compreende a pressão política e orçamentária atual na Europa?
R: "Evidentemente compreendo a pressão, mas nós estamos submetidos à mesma pressão. Perguntem ao presidente (brasileiro, Luiz Inácio) Lula (da Silva), quando apresentou seu compromisso de reduzir as emissões (em até) 67%: a pressão dos diferentes setores econômicos brasileiros também existe".
P: E se a UE decidisse reduzir suas próprias emissões em menor medida, mas comprar mais créditos de carbono de fora?
R: "A Europa deve, em primeiro lugar, assumir sua responsabilidade e se descarbonizar. Diante de sua responsabilidade histórica, deve ter objetivos muito fortes. Os créditos de carbono, comprados de outras regiões, podem ser um incentivo, mas não algo que os absolva de sua responsabilidade".
P: O Brasil venderá créditos de carbono para a Europa?
R: "Sim, o Brasil pode vender muitos créditos de carbono. O Brasil está evidentemente bem posicionado para vender créditos de carbono, com integridade, a qualquer mercado, devido ao seu setor energético e ao reflorestamento em curso".
P: Qual o impacto, segundo você, da saída anunciada dos Estados Unidos do Acordo de Paris?
R: "Esta nova saída do governo federal é muito triste, em particular porque não é a primeira vez, é a segunda, estamos realmente diante de um país esquizofrênico em termos de política climática.
Mas os Estados Unidos não se resumem ao governo federal, existe o setor privado, as autoridades subnacionais. Fui informada que 60% das leis relacionadas ao clima estão nas mãos dos governadores dos estados.
O clima precisa de estabilidade, planejamento. Todos nós devemos repensar nossa noção do que é um país em risco. A maioria das pessoas acredita que os Estados Unidos são um país muito estável e de pouco risco, e que alguns países do Sul são de alto risco. Isso mostra que precisamos questionar nossas noções de alto e baixo risco".
P: O presidente Xi Jinping declarou na quarta-feira que a China não diminuirá o ritmo sobre o clima. Pequim deve preencher o vazio deixado por Washington?
R: "Não acredito que a China deseje ocupar este lugar porque a China acredita na liderança coletiva. A ideia de uma liderança por países individuais é uma ideia muito ocidental, a ideia de que todo mundo busca um salvador, um líder. Isso não é a cultura chinesa, nem a cultura brasileira. Nós preferimos a liderança coletiva, e sim, os países do Sul desempenham esse papel hoje [...].
A Europa, com Brasil, China, África do Sul, Índia e outros, pode desempenhar o papel de liderança coletiva".
P: Como você avalia os efeitos do aumento do protecionismo, com Donald Trump, sobre o clima?
R: "Nenhuma guerra é boa para o clima, as guerras são antiecológicas, sejam militares ou comerciais. O comércio pode desempenhar um papel positivo para a descarbonização, por meio do comércio de produtos com baixa emissão de carbono, mediante a cooperação. É fundamental continuar com o comércio, sobretudo para as tecnologias de baixo carbono".
* AFP