O presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Flávio Silva, considerou "muito positiva" a decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que formou maioria, nesta segunda-feira (3), para manter a validade do júri da boate Kiss. Com o desfecho, as condenações dos quatro réus estão mantidas. Eles estão presos.
— É um reconhecimento à legitimidade do júri que aconteceu em 2021. A justiça foi restabelecida. Vamos continuar vigilantes. Não vamos descuidar dos próximos julgamentos. Não vamos parar de lutar enquanto houver possibilidade de eles deixarem de cumprir as penas do júri — afirmou Silva.
A decisão do STF ainda não é um ponto final sobre o caso da boate Kiss, onde 242 pessoas morreram na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em decorrência de um incêndio durante show da banda Gurizada Fandangueira. As defesas de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha e Marcelo de Jesus dos Santos aguardam o julgamento das apelações ao resultado do júri em segunda instância, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
Estratégias das defesas
Nas apelações, as defesas vislumbram dois caminhos. Um deles é convencer os desembargadores de que os jurados julgaram o caso de forma contrária às provas. A tese, se emplacada, pode levar à determinação de realização de novo júri. A outra apelação tem o objetivo de reduzir as penas aplicadas, que variam entre 18 anos e 22 anos e seis meses de prisão.
— No nosso sentir, o patamar das penas ficou muito alto. Acredito que pode cair pela metade. No STF, esse resultado já era esperado — avaliou Jean Severo, advogado de Luciano Bonilha, que era produtor da banda Gurizada Fandangueira.
A defesa de Mauro Hoffmann, que era sócio da Kiss, pretende ingressar com recursos no STF, mas a definição sobre o instrumento jurídico a ser utilizado dependerá do conteúdo de todos os votos. Até a tarde desta segunda-feira, a maioria pela manutenção do resultado do júri foi formada pelos ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes, que acompanharam a posição do relator Dias Toffoli. Faltam os votos dos ministros Nunes Marques e André Mendonça.
O advogado de Hoffmann, Mario Cipriani, pretende apresentar um embargo declaratório por omissão ao STF. A defesa alega a existência de uma nulidade processual exclusiva de Hoffmann que não foi mencionada nos votos proferidos até o momento no STF. A nulidade advém, diz Cipriani, de uma "inovação acusatória" que teria sido feita pelo Ministério Público no júri.
— Na denúncia, o Mauro é acusado de ter conduta ativa. Sempre sustentamos que ele nunca agiu. No júri, mudou a posição sobre o Mauro. O promotor disse que ele não sabia, mas deveria saber. Houve inovação acusatória. Isso foi reconhecido no TJ-RS e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas não é mencionado no voto do Toffoli. Vamos interpor embargos tão logo a decisão for publicada — afirma Cipriani.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, o Kiko, que era proprietário da Kiss, se manifestou em nota: "A defesa, ao tempo em que manifesta sua discordância em relação à decisão do ministro Dias Toffoli e que está sendo acatada pela maioria dos dignos membros do Supremo Tribunal Federal, registra que acatará, respeitosamente, o que for determinado pela Corte Máxima do país. Como já determinado pelo relator, caso mantida a decisão, o caso deverá voltar ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul para julgamento dos pontos remanescentes das razões recursais das defesas. Com efeito, a defesa de Elissandro aguarda a retomada do julgamento do caso no Tribunal de Justiça, em Porto Alegre, e confia no acatamento das teses apresentadas".
A advogada Tatiana Borsa, da defesa de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda que se apresentou na Kiss na madrugada da tragédia, também distribuiu posicionamento em nota: "A defesa está acompanhando o julgamento do STF e lamenta, desde já, o resultado que está para ser confirmado. Após a conclusão da votação pela Corte Suprema, aguardaremos o julgamento do recurso de apelação pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo que reafirmamos a nossa confiança na justiça".
Entenda
O júri da boate Kiss foi realizado em dezembro de 2021 e durou 10 dias. Em agosto de 2022, o julgamento foi anulado por decisão do TJ-RS. As motivações para a invalidação foram irregularidades na escolha dos jurados, realização de uma reunião entre o juiz que presidiu o júri e os jurados, sem a presença das defesas, e a inovação acusatória. Já nos tribunais superiores, em Brasília, a anulação foi confirmada pelo STJ em setembro de 2023.
Um ano depois, em setembro de 2024, Dias Toffoli, do STF, aceitou pedido do Ministério Público, reverteu a anulação do júri e determinou que os quatro réus voltassem à cadeia. Agora, os demais ministros da Segunda Turma formaram maioria para manter o júri válido.
As penas
- Elissandro Spohr: 22 anos e 6 meses.
- Mauro Hoffman: 19 anos e 6 meses.
- Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha: 18 anos cada.