Com 37 municípios com decretos de situação de emergência editados, o Rio Grande do Sul volta a perceber os efeitos da estiagem nas primeiras semanas de 2025. A escassez de chuva, que traz preocupação para agricultores e pecuaristas, também restringe o acesso à água para parte da população. Os efeitos já começam a ser sentidos na economia, como no caso da região metropolitana de Porto Alegre, onde a captação do Rio Gravataí para lavouras, pecuária e indústria está temporariamente suspensa.
Dados da Federação das Associações de Municípios do RS (Famurs) indicam que 124 mil pessoas são afetadas pela estiagem e há cidades já com desabastecimento parcial de água.
Santiago, na Região Central, é o município que reportou o maior contingente humano afetado. A prefeitura informou que todos os 48.938 habitantes da cidade sofrem consequências da "forte estiagem" que causa "danos humanos, ambientais e econômicos em grande escala", com registro de "falta de água potável em algumas localidades".
— Temos uma parcela da comunidade sendo abastecida diariamente pelo caminhão-pipa e uma área de 57 mil hectares da plantação de soja, principal cultura de verão, afetada pela seca. A expectativa é pela homologação do decreto para que medidas possam ser adotadas no município — relata o prefeito de Santiago, Marcelo Gorski de Matos.
Avaliação semelhante faz a administração de Arvorezinha, no Vale do Taquari, com os 10,3 mil moradores sentindo efeitos da pouca chuva. O informe à Defesa Civil dá conta de que a estiagem atinge diversas partes do município, tanto em área urbana quanto rural, "dando sinais de falta de água potável para consumo próprio e diverso", principalmente para localidades situadas "no pico de morros ou alto relevo".
Esperança do Sul alertou que a cidade tem "toda a população", de 3,2 mil pessoas, implicada em racionamento de água e, parte dela, recebendo o recurso por meio de caminhão-pipa.
Economia afetada
Diversos destes municípios destacam efeitos negativos para a produção agrícola e a criação animal. Para o assessor da Área Técnica de Agricultura e Defesa Civil da Famurs, Ismael Horbach, os efeitos da estiagem ainda serão ampliados pela eventual continuidade da escassez de chuva e a decorrente queda nos resultados da produção de alimentos.
— Certamente, os impactos serão notados a longo prazo. A queda na produção primária reduz a oferta de alimentos, a distribuição destes itens no comércio local e estadual, a baixa na circulação de dinheiro. O efeito de uma estiagem prolongada afeta a economia como um todo — define Horbach.
Um destes casos é o descrito pela prefeitura de Maçambará, onde a estiagem ocasiona controle e racionamento parcial no abastecimento de água potável para famílias do interior do município. A perda na agricultura está sendo contabilizada pelo poder público municipal com baixas no volume de produção das lavouras de milho (-45%), soja (-25%), arroz (-5%), na agricultura de subsistência (-30%) e na pecuária de corte (-8%).
Os prognósticos ainda não são claros em relação ao prolongamento da estiagem, pois o verão no Estado ocorrerá sob o efeito do fenômeno climático La Niña, que, de acordo com meteorologistas, terá ação de fraca a moderada, com índices de temperatura não muito elevados e chuva dentro da média da estação.
Captação restrita no Rio Gravataí
Embora não haja ainda decretos de emergência entre as prefeituras a Região Metropolitana, os efeitos da falta de chuva nas últimas semanas já começam a ser percebidos. Nesta quarta-feira (29), a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) determinou a suspensão da captação — com exceção para o consumo humano — de água no Rio Gravataí, manancial que abastece diversos municípios.
Com a suspensão, fica vedado o uso do rio para irrigação de lavouras e abastecimento de criações e indústria. A situação é definida por meio das medições diárias nos dois pontos de bombeamento para tratamento, em Alvorada e Gravataí.
Na Estação de Tratamento de Água (ETA) de Alvorada, a situação é considerada crítica, com medição de 1m28cm. O parâmetro mínimo antes do estado crítico é estipulado em 1m30cm. Em 1º de janeiro, para efeito de comparação, o nível estava em 2m60cm.
Em Gravataí, a medição na tarde desta quarta ficou em 66cm. O nível verificado está entre o parâmetro de alerta, que é de 80cm, e de condição crítica, que é de 50cm. Em 1º de janeiro, o nível estava em 2m6cm na régua instalada na ETA de Gravataí.
— Quando se chega a esta situação, o Estado precisa agir com fiscalização e eventualmente com sua força policial. Para termos uma noção, a quantidade drenada do rio para irrigar uma lavoura de arroz corresponde a metade do consumo diário de toda a população em Gravataí — descreve o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Gravataí, Sérgio Cardoso.
O geólogo cita o exemplo de uma propriedade que precisou ser notificada, com necessidade de interdição em seu sistema de bombeamento. Conforme Cardoso, os proprietários, produtores de arroz, estariam captando diretamente no Gravataí e de forma irregular numa área quilombola, o que motivou a interdição.
A propriedade, destaca o gestor da bacia do Gravataí, é compromissária em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) mediado pelo Ministério Público do Estado em agosto de 2024 e estaria violando este acordo.
Para que a captação destinada a atividades econômicas seja retomada na região, o nível do Rio Gravataí precisa superar a marca de 1m60cm na ETA de Alvorada, e o patamar de 80cm na ETA de Gravataí.